TJRJ. APELAÇÃO CRIMINAL. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO, AMEAÇA E VIAS DE FATO EM CONCURSO MATERIAL, NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. PENA DE 08 (OITO) MESES E 05 (CINCO) DIAS DE DETENÇÃO EM REGIME ABERTO E 18 (DEZOITO) DIAS DE PRISÃO SIMPLES. RECURSO DA DEFESA QUE ALEGA E PRETENDE: I) O RECONHECIMENTO DA FRAGILIDADE DO CONJUNTO PROBATÓRIO, COM ARGUMENTOS DE APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E IN DUBIO PRO REO E IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO COM BASE EM ELEMENTOS INFORMATIVOS; II) AUSÊNCIA DE ÂNIMO SÉRIO E REFLETIDO E ESTADO DE EMBRIAGUEZ, NA CONDUTA QUE SE AMOLDA AO DELITO DE AMEAÇA, III) IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE VIAS DE FATO NA MODALIDADE TENTADA; IV) DA INEXISTÊNCIA DO DANO MORAL FIXADO NA SENTENÇA.
A denúncia narra que no dia 24 de agosto de 2020, por volta das 21 horas, na residência situada na Rua Projetada, bairro Carvalho, S/N, depois da capela Santa Terezinha, no município de Santo Antônio de Pádua/RJ, o denunciado de forma livre, consciente e voluntária, ingressou e permaneceu na residência da vítima Alcione Rodrigues da Silva, sua ex-companheira, contra a sua vontade, durante a noite e com emprego de violência. A exordial também dá conta de que nas mesmas circunstâncias de tempo e espaço, o denunciado, de forma livre, consciente e voluntária, praticou vias de fato contra a vítima, sua ex-companheira, desferindo um empurrão e de forma livre, consciente e voluntária, a ameaçou de causar mal injusto e grave, dizendo, ao empunhar uma tesoura, que a mataria. A vítima Alcione declarou em juízo que o réu chegou alterado e pulou o portão, querendo que a depoente abrisse a porta. Ante a negativa, o ora apelante pegou uma cadeira de madeira que estava na varanda e disse que quebraria a porta. Para evitar o dano à porta, a ofendida disse que a abriu, momento em que o acusado entrou empurrando-a. Rememorou que o réu a jogou em cima da cama, pegou uma tesoura dentro da gaveta da cabeceira e foi para cima dela, com ameaças de que a mataria. O policial militar José Renato, esclareceu que, antes de chegar na residência onde os fatos ocorreram, a mãe do acusado fez contato com a guarnição e relatou que o réu havia ido à casa da ex-companheira e estava transtornado. Recorda que o ora apelante, realmente, estava transtornado, pois tiveram que fazer uso de algemas. O policial esclareceu que a mãe do acusado falou que se ela não tivesse chegado na hora, o pior poderia ter acontecido, porque tirou o acusado de cima da namorada, o qual estava com uma tesoura na mão tentando golpeá-la. Finaliza o depoente, sinalizando que, ao chegar à casa da vítima, ela estava em prantos, o imóvel estava todo revirado, com a porta toda quebrada e muito vidro esparramado no local. Por fim diz que o acusado estava muito alterado, e aparentava haver bebido. Por sua vez, o acusado não foi ouvido, ante o decreto de revelia. Integram o caderno probatório, o registro de ocorrência 136-01008/2020, bem como a prova oral colhida sob o manto do contraditório e da ampla defesa. Diante do cenário acima delineado, tem-se que a autoria e a materialidade dos delitos em análise restaram configuradas pela prova dos autos e o juízo restritivo subsiste. Quanto ao argumento defensivo de que a acusação se baseia apenas na palavra da vítima, é sempre importante destacar que, nos crimes de violência doméstica, a palavra da vítima assume particular relevância, especialmente quando se apresenta lógica, coerente e corroborada por outros elementos de prova. Provados também estão a violência e os danos dela resultantes, conforme extraído do laudo pericial, o qual descreve: «(...) 3 vidros quebrados da janela do quarto, janela da sala e porta da sala, sendo 1 em cada, através de ação contundente de fora para dentro. Portas e janelas, confeccionadas em madeira com vidros. Na varanda fora encontrado 1 cadeira de madeira sobre o piso, estando a mesma desalinhada, admite-se que a mesma fora utilizada para quebra dos vidros ou seria utilizada para ocasionar danos maiores". O dano total ficou avaliado no valor de R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais). No que trata da ameaça, é necessário asseverar que o bem jurídico tutelado no crime de ameaça é a tranquilidade psíquica da vítima e, por se tratar de crime formal, consuma-se quando o infrator expõe à vítima sua intenção de causar-lhe mal injusto e grave, não sendo relevante a efetiva intenção do agente de concretizar o mal ameaçado. Igualmente, mostra-se inviável a aplicação do princípio da intervenção mínima ao caso concreto, tendo em vista a gravidade da conduta perpetrada pelo acusado, que possui relevância para o direito penal, tanto que foi tipificada pelo legislador pátrio como crime. No caso, eventual estado de humor alterado não tem o condão de afastar o dolo do agente, a uma porque o delito de ameaça geralmente é cometido quando os ânimos estão exaltados. A duas, porque na doutrina prevalece o entendimento de que o crime de ameaça não depende de ânimo calmo e refletido por parte do agente. A três porque segundo dispõe o CP, art. 28, I, a emoção e a paixão não excluem a imputabilidade penal, não havendo razão, portanto, para que na hipótese em tela se considere atípica a conduta perpetrada. De igual forma, é inviável falar-se em ausência de capacidade em razão de ingestão de bebida alcóolica, cediço que a simples ingestão de bebida, ou estado de embriaguez, não revela por si só, o teor do disposto no art. 28, II, §§ 1º e 2º, do CP. Apresenta-se indispensável que a embriaguez tenha sido proveniente de caso fortuito ou força maior, a evidenciar que ao tempo da ação ou omissão o agente era plenamente incapaz, ou não possuía plena capacidade, de entender o caráter ilícito do fato. Neste passo, não se vislumbra nos autos que o apontado estado de embriaguez tenha sido proveniente de caso fortuito ou força maior, pelo que inviável a isenção ou redução da responsabilidade penal: «nos termos do CP, art. 28, II, é cediço que a embriaguez voluntária ou culposa do agente não exclui a culpabilidade, sendo ele responsável pelos seus atos mesmo que, ao tempo da ação ou da omissão, era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Aplica-se a teoria da actio libera in causa, ou seja, considera-se imputável quem se coloca em estado de inconsciência ou de incapacidade de autocontrole, de forma dolosa ou culposa, e, nessa situação, comete delito.» (AgInt no REsp. 4Acórdão/STJ, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 07/06/2016, DJe 22/06/2016). No que diz respeito ao argumento de impossibilidade de reconhecer a tentativa para as contravenções penais, conforme destacado pelo I. Parquet a vítima afirma que o apelante a empurrou, nada há nos autos acerca de o ora apelante haver «tentado» agredi-la. Destarte, o contexto fático evidencia a contravenção penal de vias de fato. Fixado o Juízo restritivo, nos mesmos termos da sentença, passa-se ao processo dosimétrico. 1 - Do delito do art. 150, §1º (primeira e terceira parte), do CP. Na primeira fase da dosimetria, a pena-base foi fixada em seu patamar mínimo e assim deve permanecer (06 (seis) meses de detenção. Na segunda fase, correta a aplicação da circunstância da agravante esculpida no art. 61, II «e» e «f», do CP, sem que se incorra em bis in idem. O aumento operado na sentença foi adequado, uma vez que houve a aplicação da menor fração, de 1/6, pelo que a pena do crime atinge o patamar de 07 meses de detenção, sem modificações na terceira fase, assim se estabiliza. 2 - Do crime do CP, art. 147, caput. Na primeira fase da dosimetria, a pena-base foi fixada em seu patamar mínimo e assim deve permanecer 01 (um) meses de detenção. Na segunda fase, correta a aplicação da circunstância da agravante esculpida no art. 61, II «e» e «f», do CP, sem que se incorra em bis in idem. Conforme já delineado linhas atrás. O aumento operado na sentença foi adequado, uma vez que houve a aplicação da menor fração, de 1/6, pelo que a pena do crime atinge o patamar de 01 (um) mês e 05 (cinco) dias de detenção, sem modificações na terceira fase, pois ausentes demais moduladores. 3 - Do delito do DL 3.688/41, art. 21. Na primeira fase da dosimetria, a pena-base foi fixada em seu patamar mínimo e assim deve permanecer 15 (quinze) dias de prisão simples. Na segunda fase, correta a aplicação da circunstância da agravante esculpida no art. 61, II «e» e «f», do CP, sem que se incorra em bis in idem. Conforme já considerado. Todavia, o aumento operado na sentença, embora adequado, uma vez que houve a aplicação da menor fração, de 1/6, requer pequeno ajuste, para estabelecer a pena intermediária em 17 (dezessete) dias de prisão simples, pena que se mantém na terceira fase, pois ausentes demais causas de aumento ou diminuição de pena. Presente o concurso material (art. 69 CP) e operado somatório das penas, estas totalizam 8 (oito) meses e 5 (cinco) dias de detenção e 17 (dezessete) dias de prisão simples. É incabível a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, conforme CP, art. 44, I, uma vez que o crime foi praticado mediante grave ameaça. Contudo, em sintonia com os princípios da proporcionalidade, razoabilidade e da individualização de pena, deve ser aplicado o sursis, durante o prazo de 2 anos, mediante as seguintes condições: prestar serviços à comunidade no primeiro ano, na ordem de sete horas por semana, na Secretaria Municipal de Obras de Santo Antônio de Pádua e, no segundo ano, não frequentar locais onde haja venda de bebidas alcoólicas, não se ausentar do Estado em que reside por mais de 30 (trinta) dias, sem prévia autorização judicial, salvo por razões de trabalho ou de saúde, e comparecimento mensal ao Juízo a fim de justificar as suas atividades. Inalterado o regime prisional aberto, por ser o mais brando e estar em perfeita harmonia com os ditames do CP, art. 33. A fixação da indenização a título de danos morais deve ser mantida, uma vez que há pedido formulado pelo Ministério Público na peça acusatória. Neste sentido, o E. STJ, no âmbito do Recurso Especial Repetitivo Acórdão/STJ e 1964713/MS (Tema 983), decidiu pela possibilidade de fixação de valor mínimo a título de danos morais causados pela infração penal à vítima, desde que haja pedido expresso na peça exordial, mesmo que sem especificação do valor, entendendo ainda que essa indenização não depende de instrução probatória específica sobre a ocorrência do dano moral, por se tratar de dano in re ipsa. Na esteira do entendimento jurisprudencial, a fixação do valor deve levar em conta a extensão do dano e a capacidade econômica do ofensor, bem como estar em conformidade com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Delineado esse cenário e considerando o caráter pedagógico que deve nortear a fixação do quantum, o qual não deve configurar quantia irrisória e tampouco representar enriquecimento desmedido para a ofendida, revela-se proporcional e razoável o valor de 02 (dois) salários mínimos, com possibilidade de parcelamento em até cinco vezes. Afastado o?prequestionamento, eis que não se vislumbra nenhuma contrariedade/negativa de vigência, ou interpretação de norma violadora, nem a demonstração de violação de artigos constitucionais. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
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