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DOC. 285.1614.7724.8822

TJRJ. APELAÇÃO. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. LESÃO CORPORAL (ART. 129, §9º, C/C 61, II, F, AMBOS DO CP). RECURSO MINISTERIAL QUE PEDE A FIXAÇÃO DA AGRAVANTE GENÉRICA DESCRITA NO art. 61, II, «J» DO CÓDIGO PENAL. RECURSO DEFENSIVO QUE PUGNA PELA ABSOLVIÇÃO, EM FACE DA FRAGILIDADE PROBATÓRIA. SUBSIDIARIAMENTE REQUER A FIXAÇÃO DAS PENAS-BASE NO MÍNIMO LEGAL, O AFASTAMENTO DA AGRAVANTE GENÉRICA PREVISTA NO art. 61, II, «F», DO CÓDIGO PENAL, DA OBRIGAÇÃO DE FREQUENTAR GRUPO REFLEXIVO E O DECOTE DA REPARAÇÃO DE DANOS OU SUA FIXAÇÃO EM UM SALÁRIO MÍNIMO.

Emerge dos autos que no dia 20 de agosto de 2020, por volta de 08h, na Estrada da Gávea 450, casa, no bairro de São Conrado, Rio de Janeiro, o recorrente ofendeu a integridade física da vítima, sua companheira, desferindo-lhe socos, empurrões e golpes com o joelho, causando as lesões corporais descritas no Laudo de Exame de Corpo de Delito de fls. 13/14, motivado por uma discussão acerca do término do relacionamento. A materialidade está comprovada pelo Laudo de Exame de Corpo de Delito de fls. 13/14, o qual apurou a presença de equimoses violáceas, ovaladas, a maior medindo cerca de 80mm x 60mm em seu maior diâmetro, distribuídas em região mamária direita e em face anterior de ambas as pernas, contatando a existência de nexo de causalidade e temporal das lesões com a agressão física sofrida pela vítima e que a referida lesão teria sido provocada por ação contundente. Embora a vítima em juízo tenha declarado não desejar falar sobre os acontecimentos que vivenciou, o laudo pericial (prova não repetível que, por essa razão, encontra-se excepcionado do regramento do CPP, art. 155) atesta lesões compatíveis com as agressões sofridas, sendo certo que ela chegou a requerer medida protetiva. A recusa da vítima em prestar declarações em juízo, por si só, não pode levar necessariamente à absolvição, se houver nos autos outros meios de prova aptos a justificar o decreto condenatório, como ocorreu na hipótese em tela. In casu, o laudo pericial, em cotejo com as declarações da vítima em sede distrital, bem como considerando as peculiaridades que envolvem os casos de agressões no âmbito doméstico, levam à certeza do atuar delituoso perpetrado pelo apelante. Com efeito, o magistrado deve buscar a verdade real. O referido princípio visa estabelecer que o jus puniendi do Estado seja efetivamente exercido contra aquele que praticou a infração penal, nos exatos limites da sua culpa, numa investigação que não encontra limites na forma ou na iniciativa das partes. É pacífico o entendimento de que, em situações de violência doméstica, não cabe à vítima e sim ao Estado o poder de decisão sobre a necessidade de uma eventual resposta penal. Tanto é assim que, no julgamento da ADI 4424, o Supremo Tribunal Federal retirou da vítima a responsabilidade sobre o prosseguimento ou não da ação penal, ao declarar que os crimes de lesão corporal contra a mulher no âmbito doméstico e familiar são de ação pública incondicionada. Não se pode olvidar que o desconforto em depor pode se dar em razão de o agressor ainda exercer poder psicológico sobre a vítima, ou ainda porque a narrativa dos fatos a revitimiza, impedindo-a de fazer suas declarações livremente. Acatar o silêncio da vítima em juízo como causa impeditiva de condenação, sem observar os demais elementos de prova, seria, por via transversa, considerar tal ato uma retratação da representação anteriormente ofertada, o que ofende o entendimento já consolidado na ADI 4424. Não há dúvidas, portanto, de que as lesões comprovadas nos autos foram causadas pelas agressões promovidas pelo apelante, as quais possuem relação de conexão direta com os resultados encontrados no laudo pericial, os quais ratificam as lesões narradas pela vítima, em sede policial. Como se vê, a autoria da conduta imputada ao recorrente é incontestável, razão pela qual há que se manter a condenação. No que diz respeito à resposta penal, a irresignação defensiva quanto à aplicação da agravante genérica prevista no CP, art. 61, II, «f» merece prosperar com o seu afastamento a fim de evitar bis in idem, uma vez que referida circunstância já qualifica o tipo penal previsto no art. 129, §9º, do CP. Por outro lado, acolhe-se também o recurso ministerial no que tange à incidência da agravante do CP, art. 61, II, «j». O delito foi praticado em 20/08/2020, na vigência do Decreto 6/2020, que reconheceu o estado de calamidade pública pelo período de 20 de março a 31 de dezembro de 2020. Esta Câmara já se posicionou majoritariamente no sentido da incidência da referida agravante durante o período pandêmico em que foi decretado estado de calamidade pública. Portanto, notório o estado de pandemia em que se encontrava inserido o país. Passa-se à dosimetria da pena. 1ª Fase: As penas foram fixadas já nos mínimos legais em 3 (três) meses de detenção, carecendo o recorrente de interesse recursal quanto ao pleito de redução da pena nesta fase. 2ª Fase: Ausentes circunstâncias atenuantes. Presente a agravante genérica prevista no CP, art. 61, II, «j», razão pela qual se eleva a reprimenda em 1/6 (um sexto), ao patamar intermediário de 3 (três) meses e 15 (quinze) dias de detenção. 3ª Fase: Ausentes causas de aumento ou de diminuição da pena, esta se estabiliza em 3 (três) meses e 15 (quinze) dias de detenção. Fixado o regime aberto o qual se amolda ao disposto no art. 33 §2º, «c» e §3º do CP, em razão do quantum de pena imposto e das circunstâncias judiciais positivas. A ausência do requisito previsto no, III do CP, art. 44, pelas circunstâncias do crime, impede que a pena privativa de liberdade seja substituída por penas restritivas de direitos. No tocante ao sursis da pena, as condições impostas se mostram adequadas ao presente caso, não merecendo reforma a sentença de 1º Grau. Além disso, a participação do recorrente em grupo reflexivo para homens autores de violência doméstica deve ser mantida. Tal condição objetiva a ressocialização do apelante. O trabalho apenas com a vítima não se mostra suficiente para solucionar, de maneira eficaz, a situação de vulnerabilidade feminina, sendo indispensável incluir o homem nesse processo de transformação. Por outro lado, no tocante à indenização por danos morais, a jurisprudência do STJ pacificou o entendimento sobre a possibilidade de fixação de valor mínimo arbitrado a título de danos morais decorrentes de ilícito penal, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia e independentemente de instrução probatória. Na presente hipótese, contudo, o pedido de indenização por danos morais deixou de ser feito pelo órgão ministerial, por ocasião do oferecimento da denúncia. Assim, deve ser afastada a indenização fixada pela sentença de 1º Grau. RECURSOS CONHECIDOS, PROVIDO O RECURSO MINISTERIAL E PARCIALMENTE PROVIDO O RECURSO DEFENSIVO.

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