TJRJ. APELAÇÃO. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. CRIME DE AMEAÇA E CONTRAVENÇÃO DE VIAS DE FATO. RECURSO DA DEFESA SUSCITANDO PRELIMINAR DE COISA JULGADA EM RELAÇÃO AO CRIME DE AMEAÇA. NO MÉRITO, PEDE A ABSOLVIÇÃO SOB O FUNDAMENTO DE FRAGILIDADE PROBATÓRIA. SUBSIDIARIAMENTE, REQUER A REDUÇÃO DAS PENAS AO MÍNIMO LEGAL OU APLICAÇÃO DE MENOR ÍNDICE DE AUMENTO, O AFASTAMENTO DA AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA POR SE TRATAR DE CONDENAÇÃO ANTIGA, BEM COMO A DA AGRAVANTE DO ART. 61, II, F, CP, POR ALEGADO BIS IN IDEM QUANDO APLICADA EM CONJUNTO COM AS DISPOSIÇÕES DA LEI MARIA DA PENHA. POR FIM, PUGNA PELA FIXAÇÃO DO REGIME PRISIONAL ABERTO, SUBSTITUIÇÃO DA PPL POR PRD OU A CONCESSÃO DO SURSIS.
A defesa pede a extinção do processo sem julgamento do mérito em relação ao crime de ameaça por alegada coisa julgada em relação aos fatos apurados no processo 0009769-83.2020.8.19.0080. Sem razão. Para que se possa falar na existência de coisa julgada, necessária a existência de ações idênticas, o que somente ocorre quando houver a chamada tríplice identidade, ou seja, quando as partes, o pedido e a causa de pedir forem os mesmos. Com efeito, o apelante foi condenado, nos presentes autos, por ameaça proferida contra Karina no dia 11 de setembro de 2020. Já nos autos do processo 0009769-83.2020.8.19.0080, a condenação se deu em razão de outras ameaças proferidas no dia seguinte (12/09/2020), não só contra Karina, mas também contra Rosana e Mariceia. Dessa forma, não tendo o apelante sido processado pelos fatos narrados na denúncia em outra ação penal, deve ser rejeitada a preliminar de coisa julgada suscitada pela Defesa. Quanto ao mérito, compulsando os autos da ação penal, verifica-se que a materialidade e a autoria delitiva estão comprovadas pelas peças do Inquérito Policial e pelos depoimentos colhidos na fase judicial. A prova revelou que, no dia dos fatos, o apelante pegou a vítima pelo pescoço e apertou e a jogou contra a parede. Apenar do esforço técnico da defesa na busca da proteção dos interesses de seu assistido, é incontestável que o recorrente investiu contra a integridade física da vítima, tal como evidenciado pela prova oral produzida nos autos, restando comprovada a contravenção penal de vias de fato (Decreto-lei 3.688/1941, art. 21). Ademais, é desnecessário laudo pericial para comprovar a contravenção penal de vias de fato, infração que nem sempre deixa vestígio, de sorte que a ausência de exame de corpo de delito não descaracteriza a infração penal. Do mesmo modo, o crime de ameaça ficou bem caracterizado. Extrai-se das declarações prestadas pela vítima, tanto em delegacia quanto em juízo, que o apelante disse que «iria matá-la enquanto estivesse dormindo". O bem jurídico protegido no crime de ameaça é a liberdade psíquica da vítima, sua paz de espírito que, no caso, restou atingida pelas palavras proferidas pelo apelante. Portanto, à vista da verossimilhança dos relatos da ofendida durante toda a persecução penal e sua harmonia com os demais elementos probatórios, produzidos sob o crivo do contraditório e ampla defesa, constata-se que as provas amealhadas são firmes e robustas em comprovar a responsabilidade do apelante pelos delitos denunciados, sendo a manutenção da condenação medida de rigor. No que diz respeito à resposta penal, na primeira fase, a pena-base foi exasperada com base nos antecedentes representados pela anotação de 2 da FAC e pela condenação já referida no processo de 0009769-83.2020.8.19.0080. Quanto à anotação de 2 da FAC, esta não pode ser desconsiderada, como pretende a defesa. Em que pese a existência de entendimento contrário, com fundamento na teoria do direito ao esquecimento, a Suprema Corte firmou tese em sede de Repercussão Geral, dispondo que: «Não se aplica ao reconhecimento dos maus antecedentes o prazo quinquenal de prescrição da reincidência, previsto no CP, art. 64, I, podendo o julgador, fundamentada e eventualmente, não promover qualquer incremento da pena-base em razão de condenações pretéritas, quando as considerar desimportantes, ou demasiadamente distanciadas no tempo, e, portanto, não necessárias à prevenção e repressão do crime, nos termos do comando do art. 59, do CP» (STF - Tribunal Pleno - RE 593818, Relator(a): ROBERTO BARROSO). Já a condenação no feito de 0009769-83.2020.8.19.0080, de fato, deve ser desconsiderada. Conforme já noticiado quando da apreciação da preliminar, refere-se a crime perpetrado em data posterior ao fato apurado nestes autos. Assim, em se tratando de antecedentes formado por apenas uma condenação anterior, o incremento de ser da ordem de 1/6. Na segunda etapa, a reincidência está configurada. A referida circunstância agravante está inequivocamente demonstrada pela anotação de 07 (processo 0009569-25.2014.8.19.0068, condenação pelos arts. 157, § 2º, II, e 163, III, ambos do CP), quando o apelante recebeu penas de 05 anos e 04 meses de reclusão e 06 meses de detenção. A condenação transitou em julgado antes dos fatos narrados na denúncia (29/08/2016), inexistindo, igualmente, comprovação de que a respectiva pena foi cumprida ou extinta há mais de cinco anos. O pleito de afastamento da agravante do art. 61, II, f, CP, também não pode prosperar. O STJ afetou à sistemática dos recursos repetitivos sobre a questão e firmou a seguinte tese: «A aplicação da agravante do CP, art. 61, II, f (CP), em conjunto com as disposições da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) , não configura bis in idem» (Tema Repetitivo 1197). Desse modo, o aumento por conta das duas circunstâncias agravantes deve ser de 1/5. Mantém-se o regime semiaberto, tendo em vista tratar-se de réu reincidente e portador de maus antecedentes (a contrario sensu do art. 33, caput, e § 2º, «b», do CP). Por fim, impossível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos ou a aplicação do sursis da pena, diante da ausência dos requisitos previstos no art. 44, I e II, e art. 77, caput e, I, do CP, respectivamente. RECURSO CONHECIDO, REJEITADA A PRELIMINAR E, no mérito, PARCIALMENTE PROVIDO, na forma do voto do Relator.
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