TJRJ. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ATOS SEXUAIS DIVERSOS DA CONJUNÇÃO CARNAL. COMPROVAÇÃO. REGIME PRISIONAL. 1)
Tratando-se de crimes sexuais, praticados geralmente às escondidas, e muitas vezes sem deixar vestígios, a palavra da vítima possui inestimável valor probatório. E, como no caso, quando coerente e harmônica com os demais elementos de prova, tem-se como decisiva para a condenação. Na espécie, a descoberta do abuso sexual ocorreu após a mãe haver dado banho na vítima à noite do dia dos fatos; a criança, então com 9 anos de idade, começou repentinamente a chorar e, ao ser questionada, disse que o réu, companheiro da vizinha (na residência de quem a mãe deixara a filha à tarde), «fez coisa feia comigo"; indagada pela mãe sobre o que o réu teria feito, inicialmente ela não quis relatar o ocorrido, dizendo que se contasse, o réu mataria a mãe; convencida, porém, pela genitora, a criança contou que o réu «passou a mão por cima da minha bermuda em cima da minha perereca», «me beijou na boca e depois pegou minha mão e colocou dentro da calça dele". Ainda chorando, a criança pediu à mãe para não confrontar o «tio Sérgio», reiterando que, senão, ele a mataria. 2) Ao contrário do que afirma a defesa, o relato da vítima, confirmado posteriormente em juízo tanto por ela quanto pela mãe, não apresenta qualquer contradição de relevo. Outrossim, em momento algum, seja em sede policial ou em juízo, a mãe questionou a veracidade do relato da filha; ao revés, disse que a menina não era criança de inventar histórias. Bem por isso, procurou o Conselho Tutelar e, lá orientada, em seguida compareceu em delegacia. Cumpre observar que a vítima possui atraso cognitivo - aos doze anos de idade na data da oitiva em juízo, apresentava desenvolvimento de uma criança de seis anos - daí se compreende sua dificuldade em verbalização. Essa constatação não impede, porém, que se fizesse entender e, ao mesmo passo, enfraquece a alegação de que pudesse narrar uma história fantasiosa, elaborada por ela ou incutida pela mãe, conforme aduz a defesa. Como bem observado na douta sentença, verbis: «O atraso cognitivo da vítima, como muito bem explicitado pelo Ministério Público às fls. 182, não causa prejuízo à plena capacidade da criança de entender o que com ela aconteceu e de poder relatar a verdade dos fatos. Aliás, entendo que tal fato torna o depoimento da vítima ainda mais crível porque não sendo ela uma menina mais evoluída se faz menos plausível que quisesse fantasiar uma situação inexistente para prejudicar alguém a pedido de sua mãe.» O relato é ainda corroborado pelo relatório psicológico, cuja leitura afasta a perspectiva de que a narrativa da menina tivesse sido criada. 3) Não surpreende que, ao depor em juízo, a companheira do réu e seus filhos, enteados do réu - na mesma linha do que por ele afirmado em interrogatório - tenham negado que a vítima ficara em algum momento sozinha com o réu na residência. Pela dinâmica narrada pela vítima, não é difícil deduzir que o réu se aproveitara de um momento em que a companheira se ausentou do apartamento para ir à garagem do prédio lavar roupas e, valendo-se inclusive do atraso cognitivo da menina, praticara os abusos de maneira fugaz - beijando-a, passando a mão sobre sua genitália e a fazendo tocar em seu pênis - sem a percepção das duas outras crianças que estavam no imóvel. No ponto, obtempere-se que o crime de estupro de vulnerável se configura independentemente da ligeireza ou da superficialidade da conduta (STJ, Tema Repetitivo 1.121). 4) Não se mostra idônea a justificativa erigida pelo juízo - crime hediondo - para a fixação do regime fechado. Trata-se de réu primário, as circunstâncias judiciais não foram valoradas negativamente e o quantum de pena foi estabelecido em exatos 8 anos de reclusão. Assim, em obséquio à ampla devolutividade recursal, ora se fixa o regime semiaberto, ex vi do disposto nos arts. 33, §2º, b e §3º e 59, ambos do CP. Parcial provimento do recurso.
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