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DOC. 606.5478.2233.5594

TJRJ. APELAÇÃO. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. RÉU CONDENADO COMO INCURSO NAS SANÇÕES DO art. 217-A, CAPUT DO CÓDIGO PENAL AO CUMPRIMENTO DA PENA DE 8 (OITO) ANOS DE RECLUSÃO EM REGIME SEMIABERTO. RECURSO DEFENSIVO ARGUINDO, PRELIMINARMENTE, A NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE ENFRENTAMENTO DE TODAS AS TESES DEFENSIVAS. ALEGA, ADEMAIS, ATIPICIDADE DA CONDUTA. QUANTO AO MAIS, ALMEJA A ABSOLVIÇÃO POR PRECARIEDADE DA PROVA E FRAGILIDADE DOS DEPOIMENTOS. SUBSIDIARIAMENTE, REQUER A DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL PARA IMPORTUNAÇÃO SEXUAL.

Em síntese, descreve a inicial acusatória que no dia 11 de julho de 2022, por volta das 15 horas e 30 minutos, no endereço que consta da inicial, o denunciado, consciente e voluntariamente, praticou contra a vítima Isabella da Silva Aguiar, nascida em 30/12/2008, com 13 anos na data do fato, ato libidinoso consistente em encostar o pênis nas nádegas da vítima, beijar seu pescoço, colocar a mão por cima de sua vagina, além de exibir o pênis. Inicialmente, está rechaçada a arguição de nulidade da sentença por ausência de enfrentamento de todas as teses defensivas. Todas as teses apresentadas pelo ora recorrente foram analisadas pelo D. Juízo a quo, seja de forma explícita ou implícita e chegando-se a uma determinada diretriz decisória, considera-se que todas as diretrizes contrárias a escolhida, foram excluídas. Sabe-se, ademais, que o dever de fundamentação tem expressa previsão constitucional (CF/88, art. 93, IX) e se estende a todas as decisões e julgamentos proferidos pelo Poder Judiciário. Nessa linha de inteligência, conforme entendimento dos Tribunais Superiores, observa-se que ao Magistrado é imposto o dever de externar fundamentação adequada e condizente com a resolução do conflito, ainda que não enfrente todas as teses apresentadas pelas partes, sendo suficiente a análise daquelas que entendeu necessárias à formação do seu convencimento. Quanto à alegada nulidade, pela ausência do exame do pedido para que o magistrado diligenciasse pela exibição das imagens das câmeras do condomínio, esta questão foi apreciada pelo magistrado, o qual fez consignar na sentença que a palavra da vítima ganha especial relevância em casos de crimes sexuais, uma vez que tais condutas, normalmente são praticadas sem a presença de testemunhas. A análise da pretensão apresentada pela defesa ocorreu na sentença. No caso em exame, o magistrado reputou que o conjunto fático probatório elucida satisfatoriamente a prática do delito, cometido pelo réu. Superado o exame da questão prévia e analisado atentamente o caderno probatório, chega-se à conclusão de que o pleito absolutório não merece prosperar. A materialidade e autoria dos crimes imputados ao réu estão demonstradas nos autos pelo registro de ocorrência 019-05735/2022; auto de prisão em flagrante e pela prova oral, colhida sob o crivo do contraditório. A vítima (menor de 14 anos), em juízo, destacou que estudava no salão de festas do condomínio com colegas de escola e que, ao término, seus amigos foram embora. Relatou que costumava levar sua cachorra para brincar com o cachorro do réu (funcionário do condomínio), por longos períodos, por vezes acompanhada de sua avó e que, naquele dia, interessou-se em ver os pássaros que o réu possui. Esclareceu que ele a convidou para ver as aves no interior de sua casa, a qual ela supunha ser apenas um local para monitoramento. No que trata da dinâmica dos atos praticados pelo réu, a vítima descreveu que, após entrar no cômodo para ver os pássaros, o réu posicionou-se atrás dela e, de pé, a imobilizou esfregando-se nela. Ato contínuo, ela pediu para que ele parasse pois não estava gostando e se sentia constrangida. Disse que tentou ir para o elevador e o réu a imobilizou novamente de forma que ela não conseguia se soltar, segurou-a com um braço enquanto desabotoou seu short com a outra mão, e enfiou a mão por dentro dele. A vítima, com custo conseguiu se desvencilhar e, ciente de que o réu investiria novamente contra ela, pegou uma pá no local e, dada certa oportunidade, bateu com a pá na cabeça do ora apelante. O pai da vítima disse que estava com a esposa na praia pela manhã e sua filha na escola. Esclareceu que ela telefonou para ele para perguntar se poderia estudar com colegas no salão de festas do prédio, o que autorizou. No que trata do desenrolar dos acontecimentos, disse que, por volta das 16 horas, recebeu outra ligação de sua filha que, aos prantos, chorava e afirmava que o réu a havia agarrado e passado nela suas partes íntimas. Narrou, ademais que, de fato, perto do elevador há um local onde o réu guarda suas coisas, dentre elas as gaiolas dos passarinhos, e por onde o cachorro desse costuma ficar. Confirmou a narrativa da vítima, sinalizou que conversou com o réu e chamou a polícia. O réu, por sua vez, nada trouxe para esclarecer os fatos, uma vez que optou por fazer uso do direito constitucional de permanecer em silêncio. Nunca é demais ressaltar que nos crimes contra os costumes, a palavra da vítima é de suma importância para o esclarecimento dos fatos, considerando a maneira como tais delitos são cometidos, ou seja, de forma obscura e na clandestinidade (AgRg no AREsp. Acórdão/STJ, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 16/8/2022, DJe de 22/8/2022). Mostra-se ilógico não considerar o depoimento de criança ou adolescente quando esta é a vítima de delito sexual, pois tal prova é muita das vezes imprescindível para apuração da verdade dos fatos. Por certo que a sua narrativa deve ser contrastada com as demais provas dos autos, contudo, no presente caso sua narrativa restou amplamente corroborada pelos demais elementos dos autos, afigurando-se óbvio que ao seu testemunho deve ser conferido pleno valor à luz do princípio da equivalência das provas inserto no art. 155 do C.P.P. De outro giro, a conduta consistente em praticar atos libidinosos diversos da conjunção carnal é considerada pela doutrina como não transeunte, eis que, dependendo da forma como é cometida, poderá ou não deixar vestígios. Logo, o estupro de vulnerável se consuma com a prática de qualquer ato de libidinagem ofensivo à dignidade sexual da vítima, de modo que a ausência de vestígios no laudo não afasta a sua ocorrência quando comprovada por outros meios, como no caso dos autos. Precedentes. Assim, inexistem dúvidas acerca da prática delituosa, sendo imperiosa a manutenção do juízo de condenação. É incabível a pretensão desclassificatória para o delito de importunação sexual. Nesse aspecto, ao julgar o REsp. Acórdão/STJ, em 08/06/2022, a Terceira Seção do Colendo STJ, firmou a tese (Tema Repetitivo - 1.121) de que «Presente o dolo específico de satisfazer à lascívia, própria ou de terceiro, a prática de ato libidinoso com menor de 14 anos configura o crime de estupro de vulnerável (CP, art. 217-A, independentemente da ligeireza ou da superficialidade da conduta, não sendo possível a desclassificação para o delito de importunação sexual (CP, art. 215-A.». É importante destacar a observação trazida pelo I. Parquet em contrarrazões, no sentido de que se consuma o estupro de vulnerável quando o agente pratica qualquer outro ato libidinoso com a vítima. Além disso, a manutenção da classificação adequada do crime é essencial para garantir que a legislação penal cumpra seu papel de proteger os vulneráveis e punir de forma proporcional aqueles que praticam atos de violência sexual. Inviável também falar-se em atipicidade da conduta, uma vez que o delito de estupro de vulnerável se efetiva com a prática de qualquer ato de libidinagem ofensivo à dignidade sexual de vítima menor de 14 anos, haja vista a presunção absoluta de violência ou grave ameaça. É importante sublinhar que a exordial descreve de forma adequada a conduta do acusado tanto quanto às práticas criminosas, viabilizando a plenitude do exercício da ampla defesa e do contraditório. Pois bem, os atos de lascívia foram cometidos contra vítima menor de 14 (catorze) anos na data dos fatos, estando correta a condenação na forma da denúncia. Passa-se à análise da dosimetria. O magistrado a quo, atento ao comando do CP, art. 59 reputou que não há circunstâncias judiciais desfavoráveis ao acusado que justifiquem o afastamento da pena base do patamar mínimo legal, a pena fica mantida no patamar básico, em 8 (oito) anos de reclusão. Na segunda fase, ausentes circunstâncias atenuantes e agravantes, a pena intermediária ficou mantida no patamar da pena básica, em 8 (oito) anos de reclusão. Na terceira fase, é inexistente causa de aumento ou de diminuição de pena, o que faz cristalizar a reprimenda em 8 (oito) anos de reclusão. Adequado o regime prisional semiaberto, em atenção ao quantitativo de pena aplicado, nos termos do art. 33, §2º, «b» do CP. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

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