TJRJ. APELAÇÃO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. COMODATO VERBAL DO IMÓVEL. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DOAÇÃO. NOTIFICAÇÃO PARA DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL. ESBULHO DEMONSTRADO. TAXA DE OCUPAÇÃO DEVIDA PELO VALOR EXPRESSAMENTE REQUERIDO NA INICIAL. DIREITO DE INDENIZAÇÃO PELAS BENFEITORIAS ÚTEIS E NECESSÁRIAS QUE SE RECONHECE. POSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA.
Trata-se de ação de reintegração de posse em que afirma a parte autora ter cedido a posse de seu imóvel à ré, a título de comodato verbal, consentindo que residisse no local até encontrar outra moradia, tendo em vista que a ré se separou do neto do autor. Nada obstante, afirmou que apesar de a separação ter ocorrido em meados de 2013, a ré não desocupou o imóvel, vindo o autor a notifica-la em 2014, sem sucesso. A sentença julgou procedente o pedido «para reintegrar o autor na posse do imóvel, fixando a indenização pela ocupação no período do esbulho, a contar da notificação, no valor de mercado de locação a época, acrescidos os juros de mora de 1% ao mês e correção monetária pelos índices adotados pelo TJRJ a contar do vencimento de cada obrigação de pagar, reconhecendo, ainda, o direito de retenção da ré pelas benfeitorias realizadas, com manutenção de posse até o pagamento da indenização que deverá ser no importe de 50%, apurar em liquidação de sentença.» A parte autora apela pretendendo que seja afastado o direito de indenização às benfeitorias, visto que a ré exerceu posse injusta sobre o imóvel e que não consentiu com as benfeitorias realizadas. Pleiteia que a quantia seja compensada com a quantia devida pela ré, a título de ocupação indevida no imóvel. A parte ré, por sua vez, quer que a sentença seja reformada aduzindo que o pedido de condenação ao pagamento de taxa de ocupação foi julgado de forma ultra petita, já que baseado em parâmetro não requerido pelo autor. Aduz não ser devida taxa de ocupação pois acreditou se tratar de doação. Sustenta, ainda, que deve haver o ressarcimento integral das benfeitorias e não só de 50%, conforme fixado pelo magistrado. Reintegração de posse. Na ação de reintegração de posse, o possuidor visa recuperar a posse, uma vez que a ofensa exercida contra ele, o impediu de continuar exercendo as suas prerrogativas e direitos. Registre-se, ainda, ser despiciendo, para a caracterização do esbulho o estado anímico do esbulhador. A boa fé ou má fé não influencia o diagnóstico de posse injusta geradora da tutela da reintegração. Basta estar objetivamente demonstrada a aquisição da posse de forma contrária ao direito, o que fundamenta o deferimento do interdito. Foi o que restou demonstrado no caso em apreço, pois apesar de a ré justificar sua posse no imóvel por «acreditar» que tinha ocorrido uma doação, não apresentou qualquer prova que corrobore a existência de doação. Inclusive, após a notificação de desocupação, a parte não comprovou ter apresentado contranotificação justificando suas razões, não se revestindo de verossimilhança a tese da ré. Com efeito, o ordenamento jurídico admite a hipótese de comodato verbal para imóveis, especialmente em caso envolvendo familiares, que normalmente cedem o bem, com a intenção de auxiliar, facilitar e ajudar o dia a dia de parentes. Nesse sentido, o imóvel dado em comodato, sem prazo determinado, pode ser reclamado pelo comodante a qualquer tempo, sem a necessidade de justa causa, bastando simples notificação ao comodatário, tal como ocorreu.Tendo isso em conta, é indubitável concluir que a parte autora possui direito a ser reintegrada na posse do imóvel. Taxa de ocupação. Em relação à taxa de ocupação, a parte autora, postulou, na inicial, a condenação da ré ao pagamento de «aluguel-sanção, desde o dia em que se configurou o esbulho (prazo fatal para desocupação do imóvel), no valor de R$ 724,00 mensais". Evidenciada a posse contrária ao direito exercida pela ré, faz jus à parte autora ao recebimento de taxa de ocupação pelo tempo em que a ré ocupou indevidamente o imóvel, isto é, após o transcurso do prazo contido na notificação comunicando o encerramento do comodato. Ocorre que, de fato, não poderia a sentença ter utilizado como parâmetro um aluguel mensal baseado no valor de mercado, visto que a parte autora formulou pedido certo e determinado na inicial, não cabendo interpretação ou alteração pelo magistrado. Assim, de fato, o magistrado não observou o princípio da congruência ao condenar a ré em pedido diverso do que foi postulado pelo autor. Por sua vez, conquanto se reconheça que a parte autora não esclareceu em minúcias como chegou ao valor de R$ 724,00, deve a ré reconhecer que, certamente, essa quantia mensal requerida pelo autor é menor do que aquela que seria apurada em sede de liquidação de sentença, se assim fosse determinado. Outrossim, incumbia a ré a demonstração que o valor solicitado é excessivo ou que está em total desacordo com os custos de ocupação de um imóvel, com semelhantes características, naquela localidade, o que não ocorreu. Portanto, o pedido de condenação da ré ao pagamento de taxa de ocupação pela posse indevida deve ser julgado procedente, nos exatos termos postulados pelo autor na inicial. Ou seja, R$ 724,00 mensais, sendo essa a medida que atende ao disposto no CPC, art. 492. Benfeitorias. A ré, em sua contestação, formulou pedido de contraposto relativo à indenização pelas benfeitorias realizadas no imóvel. Após a instrução processual, restou comprovado que a ré, de fato, realizou inúmeras benfeitorias no imóvel, as quais, inclusive, foram reconhecidas no laudo pericial de doc. 347. Demonstrada a existência de benfeitorias, faz jus a ré ao ressarcimento das melhorias realizadas no imóvel, sob pena de enriquecimento sem causa da parte autora. Conforme apurado pelo perito, as benfeitorias erigidas foram determinantes para o aumento do valor de mercado do imóvel. Outrossim, as benfeitorias são devidas pelo tempo de vigência do comodato, sendo realizadas quando a ocupação ainda era consentida. Nesse sentido, o art. 1.219 do Código Civil confere ao possuidor de boa-fé o direito à indenização por benfeitorias úteis e necessárias realizadas. Assim, a indenização relativa às benfeitorias deve observar o ressarcimento daquelas consideradas úteis e necessárias, o que deverá ser apurado em liquidação de sentença. Prosseguindo, se mostra correta a sentença ao estabelecer que as benfeitorias devem ser realizadas no importe de 50%, visto que na época de sua realização, a ré mantinha união estável com o neto dos autores, a quem compete os outros 50%. Por fim, deve ser permitida a compensação postulada pela parte autora, para que seja compensada, no que couber, a quantia devida pelo autor a título de benfeitorias com a que é devida pela ré, a título de taxa de ocupação. Recursos providos em parte.
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