TJRJ. APELAÇÃO. PLANO DE SAÚDE. NECESSIDADE DE TRATAMENTO E LEGITIMIDADE DO CUSTEIO. REEMBOLSO DEVIDO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.
O direito à saúde está intrinsecamente ligado ao direito à vida, garantia constitucional esculpida no CF/88, art. 5º, caput. Tal direito representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República, em seu art. 196. Por essa razão, a leviana negativa de cobertura consubstancia violação ao próprio direito à vida. Outrossim, o contrato é negócio jurídico que deve estar baseado no princípio da boa-fé, em que se exige dos contratantes um comportamento adequado a inspirar legítima e razoável confiança para a validade do contrato, agindo com boa-fé, lealdade e veracidade e uma atuação permanente de probidade no especial interesse de preservar o contrato em sua firmeza obrigacional. Por isso, há a responsabilidade dos contratantes de agir com boa-fé, a qual deve permear todo o contrato, inclusive, no âmbito produtivo da responsabilidade pré-contratual e da pós-execução contratual. No caso em comento, a parte autora, criança com 10 anos de idade, fora encaminhada para avaliação neuropsicológica (87828814 - Outros documentos (05 Pedido medico - JOAO PEDRO DE SOUZA ANASTACIO BISNETO), exsurgindo da documentação que acompanha a inicial a inexistência de rede credenciada na cidade onde o infante reside (87830860 - Outros documentos(NEGATIVA). Nessa esteira, a operadora de saúde promovera agendamento na cidade do Rio de Janeiro, no bairro de Copacabana, cidade reputada limítrofe, sob a alegação de que a providência encontrava respaldo em norma regulamentar. Isso porque, a Resolução 566/2022 da ANS estabelece que, apenas na hipótese de indisponibilidade de prestador integrante da rede assistencial que ofereça o serviço ou procedimento demandado no Município pertencente à área geográfica de abrangência e à área de atuação do produto, a operadora deverá garantir o atendimento em prestador não integrante da rede assistencial no mesmo Município ou prestador integrante ou não da rede assistencial nos Municípios limítrofes a este. Logo, existindo profissional apto para o procedimento em Município limítrofe, caso o usuário do serviço opte pelo tratamento em local não credenciado, o reembolso deverá ser realizado em sintonia com a tabela contratual, caso o plano preveja reembolso, não estando a operadora obrigada a custear tratamento em clínica de livre escolha do consumidor. Inconformada, porém, a parte autora pugnara pelo necessário reembolso das despesas contraídas em atendimento particular (87830864 - Outros documentos (Devolutiva João Pedro - LAUDO FINAL), dada a inexistência de rede credenciada na cidade de domicílio ¿ Niterói. Assiste-lhe razão. Como cediço, o contrato de plano de saúde assegura a cobertura de serviços que integram a rede credenciada. Nesse diapasão, em regra, não é possível a escolha de profissionais específicos pelo consumidor fora da rede credenciada, exceto se inexistir oferta de profissionais capacitados no quadro credenciado. Logo, não disponibilizada unidade clínica da rede credenciada capaz de realizar os serviços que deveriam ser cobertos pelo plano, impõe-se o custeio diretamente pela operadora, pagando aos prestadores particulares ou reembolsando os pagamentos efetuados pelo consumidor. Malgrado a parte ré, ora apelante, sustente a indicação de profissional em cidade limítrofe, como determinaria a normativa regulamentar, o atendimento aconteceria em local a 30 km de distância, sendo certo, ademais, que a avaliação demandava várias sessões. Ora, o procedimento indicado ¿ avaliação neuropsicológica para investigação de Altas Habilidades / Superdotação (87830864 - Outros documentos (Devolutiva João Pedro - LAUDO FINAL) ¿ por sua própria natureza, demandava alguns encontros com os profissionais, não se mostrando episódico, de modo que infundada a recusa de reembolso da operadora dos valores despendidos pelo consumidor. Ademais, de acordo com a jurisprudência do STJ, «seja em razão da primazia do atendimento no município pertencente à área geográfica de abrangência, ainda que por prestador não integrante da rede credenciada, seja em virtude da não indicação pela operadora de prestador junto ao qual tenha firmado acordo, bem como diante da impossibilidade de a parte autora se locomover a município limítrofe, afigura-se devido o reembolso integral das despesas realizadas, no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data da solicitação de reembolso, conforme previsão expressa do RN 259/11, art. 9º da ANS» (REsp. Acórdão/STJ, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Relator para acórdão Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 16/2/2023). Não por outro motivo, a jurisprudência do Tribunal da Cidadania resguarda a pretensão deduzida em casos análogos: AgInt no REsp. Acórdão/STJ, relator Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, julgado em 9/12/2024, DJEN de 12/12/2024, AgInt no AREsp. Acórdão/STJ, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 25/11/2024, DJEN de 6/12/2024, REsp. Acórdão/STJ, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19/3/2024, DJe de 22/3/2024. Destarte, infundada a insurgência defensiva quanto aos reembolsos, competindo à operadora de saúde efetuá-los, na medida em que não garantido o atendimento por sua rede credenciada na cidade de Niterói. Finalmente, assistia razão à parte apelada quando pleiteara compensação por danos morais. De fato, in casu, os danos imateriais se configuram in re ipsa dado o evidente sofrimento imputado à parte apelada, circunstância que representa dissabor muito além do mero aborrecimento, afetando de sobremaneira a vida cotidiana, notadamente diante do risco à integridade psíquica do infante. Nesse passo, considerando as circunstâncias do caso concreto, mostra-se razoável a fixação da verba reparatória em prol da parte autora no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), não merecendo redução. Recurso desprovido.
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