TJRJ. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE TORTURA CONTRA ADOLESCENTE, ASSOCIAÇÃO PARA FINS DE TRÁFICO MAJORADO PELO ENVOLVIMENTO DE JOVEM, CORRUPÇÃO DE MENORES E AMEAÇA. RECURSO DE DEFESA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO RETROATIVA EM RELAÇÃO ÀS CONDUTAS DE CORRUPÇÃO DE MENORES (DANIEL E KEVIN) E AMEAÇA (LEONARDO E KEVIN). PROVA FIRME DA MATERIALIDADE E AUTORIA DOS CRIMES DE TORTURA, ASSOCIAÇÃO PARA FINS DE TRÁFICO E CORRUPÇÃO DE MENORES. VALIDADE DO DEPOIMENTO DOS POLICIAIS QUE ATENDERAM À OCORRÊNCIA. SÚMULA 70/TJRJ. COMPROVAÇÃO DO VÍNCULO DE ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA. DOSIMETRIA. SEGUNDA FASE. IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DA PENA A PATAMAR ABAIXO DO MÍNIMO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 231/STJ. EXCLUSÃO DA CAUSA DE AUMENTO DO ART. 40, VI. REJEIÇÃO. REGIME PRISIONAL INTERMEDIÁRIO MANTIDO. 1)
Inicialmente, deve ser reconhecida a prescrição da pretensão punitiva estatal, com base na pena em concreto do crime de ameaça (Leonardo e Kevin) e do crime de corrupção de menores (Daniel e Kevin). Consta dos autos que a denúncia foi recebida em 10/02/2020 e a sentença publicada em 04/02/2021. Houve o trânsito em julgado da sentença para o Parquet, aplicando-se a regra na qual a prescrição depois do trânsito em julgado da sentença para a acusação deve ser calculada com base na pena cominada na sentença condenatória recorrível (art. 110, § 1º do CP). Com efeito, verifica-se que no crime de ameaça, pelo qual os réus Leonardo e Kevin foram condenados à sanção de 01 mês de detenção, cujo prazo prescricional é de 03 anos, nos termos do CP, art. 109, VI, o que ocorreu em fevereiro de 2024, devendo, ainda, o prazo ser reduzido pela metade, isto é 01 ano e 06 meses, por conta da menoridade relativa do acusado Kevin. Quanto ao crime corrupção de menores, pelo qual Daniel e Kevin foram condenados à pena de 01 ano de reclusão, cujo prazo prescricional é de 04 anos, nos termos do CP, art. 109, V. Entretando, os réus Daniel e Kevin eram menores de 21 anos ao tempo dos crimes, devendo o prazo ser reduzido pela metade, nos termos do CP, art. 115. Assim, com o prazo reduzido para 02 anos, o lapso temporal foi atingido em fevereiro de 2023. Nesse contexto, impõe-se o reconhecimento da prescrição, ex vi dos arts. 109, V e VI, c/c 110, § 1º c/c 115, todos do CP, declarando-se extinta a punibilidade dos acusados Leonardo e Kevin pelo crime de ameaça e Daniel e Kevin pelo crime de corrupção de menores, nos termos do art. 107, IV do mesmo diploma legal. 2) Emerge firme da prova judicial que os réus, em comunhão de ações e desígnios entre si e com o adolescente Hemerson de Freitas Gomes, traficantes da localidade em que reside a vítima Raíssa Alves Rodrigues, ao tomarem conhecimento de que ela estaria se relacionando com um indivíduo de facção «ADA», rival da facção «TCP», com o objetivo de obter sua confissão no sentido de que estaria repassando informações à facção rival por meio de seu namorado e também com a finalidade de fazer exemplo para os demais moradores da localidade, constrangeram a vítima, com 17 anos de idade à época dos fatos, com emprego de grave ameaça de morte e violência física exercida com tapas no rosto, coronhada de arma de fogo na cabeça e corte de cabelo com tesoura, causando-lhe intenso sofrimento físico e mental. 3) Materialidade e autoria dos crimes de tortura contra adolescente e associação para fins de tráfico que restaram comprovadas, mormente através do depoimento da vítima colhido em sede inquisitorial, o qual foi corroborado pelos depoimentos dos policiais militares responsáveis pela ocorrência, colhidos na Delegacia e posteriormente sob o crivo do contraditório, além do laudo pericial que comprova as lesões sofridas pela vítima. 4) Inexiste óbice a que elementos informativos sirvam para formar o convencimento do juízo quanto à autoria delitiva. O que se inadmite, em obséquio ao contraditório e à ampla defesa, é que sejam os únicos dispostos à apreciação do magistrado, de sorte a embasar com exclusividade seu convencimento, o que não é a hipótese dos autos. É cediço que a validade do depoimento policial como meio de prova e sua suficiência para o embasamento da condenação já se encontram assentadas na jurisprudência, conforme se extrai do teor do verbete 70 da Súmula desta Corte. Somente se mostra razoável desacreditar tal prova quando contraditória, inverossímil, dissonante com os demais elementos dos autos ou quando pairarem dúvidas concretas acerca da idoneidade e imparcialidade dos depoentes - o que não se vislumbra no caso em apreço. 5) Trata-se a associação para o tráfico de delito de tipo penal de ação múltipla ou misto alternativo; a consumação se opera com a realização de qualquer núcleo verbal previsto na norma, não havendo necessidade de haja apreensão de drogas ou, ainda, de que os agentes sejam colhidos na posse de caderno de contabilidade do tráfico ou apetrechos para embalagem do material entorpecente, ou em poder de quantias em espécie ou dados bancários em nome dos agentes ou de indivíduos a ele vinculados. Assim, diante dos elementos de convicção extraídos do conjunto de provas constantes dos autos, que traduzem o vínculo de estabilidade e permanência dos réus com os demais membros da facção criminosa TCP - Terceiro Comando Puro, inclusive com a participação de menores de idade, notoriamente uma das mais violentas do Estado do Rio de Janeiro, que domina o tráfico de drogas na localidade de Ururaí. Na espécie, A facção criminosa a qual os acusados são integrantes destaca-se pela violência com a qual trata os próprios integrantes do grupo e a população que vive na região, que permanece subjugada aos mandos e desmandos dos traficantes, que patrulham a comunidade armados, impondo suas regras de conduta através do medo, terror e crueldade. 6) Do mesmo modo, a existência elementos suficientes a demonstrar o envolvimento do adolescente H. de F. G. na conduta criminosa dos acusados atrai a aplicação da causa de aumento correspondente prevista na Lei 11.343/06, art. 40, VI, aumentando a reprovabilidade da sua conduta. 7) De outro giro, as defesas perseguem a absolvição dos acusados pelo delito de corrupção de menores, olvidando que o tipo penal do Lei 8.069/1990, art. 244-B se trata de delito formal, cuja caracterização independe de um resultado naturalístico, ou seja, da prova de posterior corrupção do menor, ou, ainda, de uma prévia higidez moral, e assim resta inviabilizado o acolhimento do pleito absolutório. Precedentes. 8) Dosimetria. 8.1) A pena-base dos crimes de tortura e associação para o tráfico foi fixada no mínimo legal, respectivamente, em 02 (dois) anos e 03 (três) anos, mais 700 dias-multa, assim mantida na fase intermediária no que tange aos acusados Carlos, Leonardo e Pamerson. 8.2) Quanto ao crime de corrupção de menores é de ver que o julgador monocrático corretamente estabeleceu a pena-base no mínimo legal, ou seja, em 01 (ano) ano de reclusão, diante da primariedade e bons antecedentes dos recorrentes Carlos, Leonardo e Pamerson e demais circunstâncias favoráveis, e acomodada neste patamar, ante a ausência de novos moduladores que tenham o condão de alterá-la. 8.3) A fixação da pena-base no mínimo legal obsta a incidência da circunstância atenuante da menoridade relativa já reconhecida na sentença em favor de Kevin e Daniel, consoante a Súmula 231/STJ. Ressalte-se que tal entendimento foi reforçado pela decisão no RE 597.270, que reconheceu a repercussão geral do tema pelo Supremo Tribunal Federal. 8.4) Na terceira fase, em razão das majorantes do Lei 9.455/1997, art. 1º, §4º, II, e Lei 11.343/2006, art. 40, VI, mantém-se o aumento na fração de 1/6 para cada uma das causas de aumento, alcançando a pena do crime de tortura 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses e do crime de associação para o tráfico 03 (três) anos e 06 (seis) meses, ambos de reclusão, mais 816 dias-multa, para cada um dos réus. 8.4) E diante do concurso material de crimes, corretamente reconhecido na espécie, a pena total dos acusados Carlos, Leonardo e Pamerson restou estabilizada em 06 (seis) anos e 10 (dez) meses de reclusão, mais 816 dias-multa, enquanto a pena final dos acusados Kevin e Daniel fica redimensionada para 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, mais 816 dias-multa. 9) Quanto à fixação do regime prisional, considerando que foi imposta pena superior a 04 anos de reclusão, conquanto se trate de réus primários, o estabelecimento do regime inicial semiaberto operado na sentença exprime a literalidade do art. 33, § 2º, ¿b¿, do CP. Precedente. Parcial provimento do recurso.
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