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DOC. 106.1392.5868.6233

TJRJ. APELAÇÃO CRIMINAL. art. 155, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DEFENSIVO VISANDO A ABSOLVIÇÃO PELO RECONHECIMENTO DA AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL EM RAZÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.

Não assiste razão à Defesa. Conforme elementos coligidos nos autos, no dia 10/12/2022, por volta das 10:00 h, na Rua Barão de Iguatemi, em frente ao Restaurante Una, Praça da Bandeira, nesta cidade, o acusado, de forma consciente e voluntária, tentou subtrair, para si ou para outrem, uma bicicleta que estacionada no local. O acusado foi detido por transeuntes no momento em que arrancava o poste onde estava amarrada a bicicleta, tendo sido, em seguida, conduzido para a DP, por policiais acionados para a ocorrência. Integram o caderno probatório o registro de ocorrência 018-10485/2022 (id. 3909042), termos de declaração (id. 39090344 e 39090345), auto de prisão em flagrante (id. 39092156). A prisão em flagrante foi convertida em preventiva, na audiência de custódia de 12/12/2022, e posteriormente, em audiência de 04/04/2023, o juízo natural revogou a prisão preventiva e lhe aplicou medidas cautelares do CPP, art. 319 (id. 5269645). O réu, em que pese ter sido devidamente intimado, não compareceu à audiência de 18/05/2023, razão pela qual foi decretada sua revelia (id. 59096633). Sob o crivo do contraditório, foi ouvida a testemunha Bárbara Silva de Oliveira e o policial militar José Marcos Guimarães. A testemunha Bárbara narrou que visualizou a ação do acusado em tentar subtrair a bicicleta, que se encontrava ao lado do estabelecimento comercial onde a testemunha trabalha. O réu tentou arrancar o tubo de ferro que prendia a bicicleta, e, se assim conseguisse, a corrente que prendia a bicicleta seria solta, possibilitando a sua subtração. Ao visualizar a ação do acusado, Bárbara começou a gritar para que o acusado parasse a subtração. Um colega de trabalho da testemunha simulou ser policial e estar armado, e mandou que o acusado fosse para delegacia, localizada em frente ao local da tentativa de subtração. O acusado, então, interrompeu a ação, entrou na delegacia de polícia e foi detido e preso por policial. A defesa, por sua vez, não adunou qualquer prova capaz de afastar o envolvimento da apelante com a prática do delito lhe imputado. Neste cenário, a declaração da testemunha, prestada de forma coerente e harmônica somada às demais provas dos autos, é suficiente a embasar o édito condenatório. Outrossim, não merece prosperar o pleito de reconhecimento de absolvição por atipicidade da conduta pela aplicação do princípio da insignificância. Aduz a Defesa que o valor furtado foi ínfimo, a atrair o princípio da insignificância. O mencionado princípio deve ser analisado à luz dos postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima, incumbindo avaliar as circunstâncias do caso concreto sob os vetores de mínima ofensividade da conduta do agente, ausência de periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada (v.g. HC 98152/MG). In casu, a subtração de uma bicicleta não se afigura insignificante, pois é incontroverso que o valor deste objeto representa mais de 10% do valor do salário mínimo nacional vigente à época dos fatos (12/12/2022 - R$ R$ 1.212,00). De acordo com o entendimento pacífico do E. STJ, somente se considera irrisório o valor da res furtivae quando não ultrapassa o percentual de 10% (dez por cento) do salário mínimo vigente à época dos fatos. (AgRg no HC 642.916/RJ, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 25/05/2021, DJe 31/05/2021 HC 499.027/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 07/05/2019, DJe 13/05/2019). Por sua vez, ainda que se considerasse ínfimo seu valor, observa-se dos autos a ofensividade da conduta do agente, a periculosidade social desse tipo de ação e o grau de reprovabilidade do comportamento do recorrente. Com efeito, não se pode admitir que pessoas cometam pequenos furtos no logradouro público, à vista de todos. Admitir tal situação seria conceder salvo-conduto para que pessoas cometessem crimes impunemente. A permissividade estatal em relação a condutas dessa natureza, em verdade, configuraria a institucionalização de um padrão comportamental perigoso, capaz de gerar insegurança e reprovação no meio social. Também não se pode afirmar que a restituição do bem ensejaria a atipicidade da conduta, por inexistência de lesão efetiva ao bem jurídico protegido, visto que tal argumentação poderia dar azo à conclusão indevida de que todo furto cujos bens foram restituídos consistiria em fato atípico. Escorreita, portanto, a condenação da apelante. Não merece reparo a resposta estatal operada pelo magistrado de piso. O recorrente é primário, conforme indica a FAC (id. 67112888), e, além disto, inexistem circunstâncias judiciais negativas, devendo ser mantida a pena-base no mínimo legal, de 1 ano de reclusão e 10 dias-multa. Na segunda fase, em que pese a circunstância atenuante da menoridade, esta não tem o condão de elevar a pena aquém do mínimo legal, nos termos da Súmula 231 do E. STJ. Na terceira fase, considerando que o recorrente é primário, e furtou coisa de pequeno valor, deve ser reconhecida a figura do furto privilegiado, consoante §2º do CP, art. 155. In casu, o apelante preenche os requisitos da benesse, considerando sua primariedade e que valor da res furtivae não ultrapassou 20% do salário mínimo nacional vigente à época dos fatos, incidindo, na terceira fase, a fração redutora de 2/3, totalizando, assim, a reprimenda em 4 (quatro) meses de reclusão e 4 (dez) dias-multa, no valor mínimo legal. Escorreita ainda a causa de diminuição de pena prevista no art. 14, II do CP, devendo ser mantido o redutor em 1/3 fixado pelo juízo de piso. Como cediço, a definição da fração de mitigação da tentativa deve nortear-se pela extensão do iter criminis percorrido, graduando-se o percentual com arrimo nos critérios da proporcionalidade e da lesividade, em face da maior ou menor aproximação do resultado. Em outras palavras, deve-se ter em mente o momento da interrupção do percurso delituoso e o grau de exposição a que ficou submetido o bem jurídico protegido ou, segundo lição de MIRABETE: «A diminuição entre os limites legais deve ter como fundamento elementos objetivos, ou seja, a extensão do iter criminis percorrido pelo agente, graduando-se o percentual em face da maior ou menor aproximação da meta optada". Na hipótese, verifica-se que o acusado foi além do início dos atos executórios eis que o crime somente não se consumou em razão da intervenção de populares. Assim, a resposta estatal se aquieta em 02 meses e 20 dias de reclusão, no regime inicial aberto, e 03 dias-multa, no valor mínimo legal. Considerando que o apelante ficou preso do dia 12/12/2022 (id. 39092156) ao dia 04/04/2023 (id. 5269645), tem-se que a pena se encontra extinta pelo cumprimento. RECURSO DEFENSIVO CONHECIDO E DESPROVIDO.

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