TJRJ. APELAÇÕES. TRÁFICO DE DROGAS PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. RECURSOS DEFENSIVOS FORMULANDO AS SEGUINTES TESES: A) ILICITUDE DA PROVA OBTIDA A PARTIR DE BUSCA PESSOAL SEM FUNDADAS RAZÕES E BASEADA NA COR DE PELE, O QUE DEMONSTRA PRECONCEITO ESTRUTURAL A SER COMBATIDO; B) ABSOLVIÇÃO EM RAZÃO DA INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA; C) INADMISSIBILIDADE DA COAUTORIA NO DELITO DE PORTE DE ARMA DE FOGO; D) AFASTAMENTO DOS MAUS ANTECEDENTES EM RELAÇÃO A GUILHERME, POR ALEGADA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO; E) AFASTAMENTO DA AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA EM RELAÇÃO FABRÍCIO, POR NÃO CONSTAR DE SUA FAC CONDENAÇÃO COM TRÂNSITO EM JULGADO (APURAÇÃO FEITA PELA MAGISTRADA, DE OFÍCIO E EXTRA AUTOS, AO SENTENCIAR); F) APLICAÇÃO DA MINORANTE DO § 4º DO ART. 33 DA LEI DE DROGAS; G) ARREFECIMENTO DO REGIME DE PRISÃO E SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS.
As testemunhas policiais civis narraram que, em diligência pela 74ª DP para cumprimento de Mandado de Prisão, foram informados por moradores de que o local era área de tráfico de drogas. Em seguida, avistaram os apelantes que, ao perceberem a aproximação da viatura caracterizada, se assustaram e dispensaram uma sacola ao chão. Ambos tentaram sair do local, sendo, porém, abordados. Ao recolherem a sacola, os agentes da lei verificaram que em seu interior havia 373g de maconha, acondicionados e distribuídas em 164 tabletes de tamanhos e formatos variados e inscrições como «10 CALUGE» ou «10 GRECIA» ou «10 R.U 28"; 37g de cocaína em pó, distribuídos e acondicionadas em 69 recipientes plásticos incolores («eppendorfs»), com inscrições como «10 CALUGE» ou «10 GRECIA» ou «10 R.U 28"; além de 01 revolver Taurus calibre .38 municiado com 06 munições intactas. Do que consta dos autos, a dinâmica da diligência não deixa dúvida de que os apelantes foram abordados dentro dos parâmetros da legalidade, e não com base na cor de pele. As circunstâncias dos acontecimentos, ou seja, o alerta sobre o local de tráfico, a dispensa da sacola pelos apelantes ao perceberem a aproximação da viatura policial caracterizada e a tentativa de sair do local, são elementos que, indubitavelmente, provocaram a justificada suspeita policial. Quanto ao mais, não há que se falar em absolvição pois restaram devidamente comprovadas a materialidade e a autoria delitivas. Apesar dos esforços da defesa, vê-se que o conjunto probatório deixou fora de dúvidas que os apelantes praticaram o crime de tráfico de drogas, conforme a narrativa acusatória. As circunstâncias do caso, os depoimentos dos policiais responsáveis pela prisão em flagrante, aliados à quantidade, diversidade e forma de acondicionamento das drogas, demonstram que o material se destinava à difusão ilícita. Ao contrário do alegado pela defesa, deve ser conferido especial valor probatório aos depoimentos dos agentes policiais, porquanto emanados de servidores públicos no exercício de suas funções, sendo que, no caso em apreço, suas narrativas são coerentes entre si e merecem credibilidade. Não há elemento de prova capaz de colocar em dúvida a idoneidade das declarações prestadas pelos agentes de polícia, devendo ser prestigiado o enunciado da Súmula 70 deste E. Tribunal. Impossível, ainda, a concessão do redutor contido no § 4º, do art. 33, da Lei de drogas, pois os apelantes não preenchem os requisitos para a aplicação dessa causa especial de diminuição de pena. A quantidade e diversidade de droga apreendida (373g de maconha e 37g de cocaína em pó), aliada à apreensão de arma de fogo, evidencia conduta própria de traficante experiente, habituado a enfrentar os riscos dessa atividade ilícita, demonstrando dedicação às atividades criminosas. Dessa forma, não cumulando os recorrentes todos os requisitos traçados pela Lei 11.343/06, art. 33, § 4º, não fazem jus ao benefício de redução da pena. Quanto ao crime do Estatuto do Desarmamento, a defesa sustenta a inadmissibilidade da coautoria neste delito, e no caso dos autos «os policiais narraram que a sacola com as drogas e a arma estavam supostamente em posse de Fabrício, sendo certo que Guilherme estava tão somente sentado ao seu lado". Sem razão quanto ao armento. A materialidade está devidamente comprovada através do auto de apreensão, Laudo Exame em Arma de fogo (index 51543805), Laudo de Exame em Munições (index 51543812), bem como pela prova oral produzida. Conforme já visto, as circunstâncias da prisão dos apelantes, sua atuação em concurso de ações para o tráfico de drogas, também demonstram o compartilhamento da arma de fogo arrecadada, sendo irrelevante a identificação de quem portava a sacola com o material ilícito. Cumpre pontuar que o fato de o crime de porte ilegal de munição ser unissubjetivo, não afasta a possibilidade de ser praticado em concurso de pessoas. A classe dos crimes unissubjetivos, monossubjetivos ou simplesmente unilaterais, apenas alinha os delitos que «podem» ser cometidos por uma só pessoa, sem, contudo, impedir que a sua execução eventualmente seja perpetrada por duas ou mais pessoas. O crime da Lei 10.826/03, art. 14, também não exige do agente nenhuma qualidade especial, tratando-se de delito comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa, sendo perfeitamente possível a existência do concurso de pessoas no crime de porte de arma de fogo ou munição, de forma compartilhada, o que se dá quando o agente, além de ter conhecimento da existência da arma ou munição, tem plena disponibilidade para usá-la caso assim pretenda. No caso em tela, conforme já demonstrado, há prova evidenciando a presença do vínculo subjetivo entre os recorrentes, com comunhão de ações e desígnios, e, por essa razão, eles tinham a posse compartilhada da arma de fogo, ainda que no momento anterior da abordagem policial, fosse apenas um que estivesse em posse da sacola contendo o armamento. Contudo, deve ser afastado o concurso material e incidir regra do concurso formal próprio (CP, art. 70, primeira parte), pois, mediante única ação criminosa foram praticados os dois delitos (tráfico de drogas e posse ilegal de arma de fogo). Neste diapasão, os fatos imputados aos apelantes têm enquadramento na moldura da Lei 11.343/06, art. 33, caput, e Lei 10.826/03, art. 14, n/f do art. 70, primeira parte, do CP. No plano da aplicação das sanções, o pedido para afastar os maus antecedentes em relação a GUILHERME não pode ser atendido. Apesar da sentença ter mencionado que a FAC «ostenta condenação com trânsito em julgado, a qual já passou pelo período depurador da reincidência», a verdade é que, além desta condenação mais antiga (anotação 1), há outros dois registros condenatórios por tráfico de drogas, ambos transitados em julgado, aptos à caracterização tanto de maus antecedentes, quanto da reincidência (FAC, anotações 2 e 3, index 53363839), de modo que o aumento de 1/6 foi até acanhado, já que poderia ensejar penas ainda mais elevadas. Já a reincidência reconhecida em desfavor de FABRÍCIO deve mesmo ser afastada. A FAC constante dos autos contém apenas um registro condenatório (index 52197618 e 53363824), mas sem informação quanto ao trânsito em julgado, bem como qualquer esclarecimento posterior. Conforme registrado na própria sentença, a magistrada realizou uma consulta, de ofício e extra autos, do processo constante da FAC para confirmar o trânsito em julgado. Percebe-se, assim, que a defesa técnica do recorrente não teve oportunidade de se manifestar acerca da anotação geradora da reincidência, ocasionando violação ao princípio do contraditório. Dessa forma, é forçoso reconhecer a primariedade técnica de FABRÍCIO e afastado o aumento aplicado na segunda etapa da dosimetria penal. Diante do novo quantum de pena aplicado, deve ser fixado o regime prisional semiaberto para ambos, como base no art. 33, § 2º, «b», e § 3º, do CP. No que se refere à detração, ainda que descontado o tempo de prisão cautelar até a prolação da sentença condenatória (03 meses e 26 dias), o regime prisão não sofre alteração. Ademais, a jurisprudência deste órgão fracionário tem se orientado no sentido de reservar a detração exclusivamente ao Juiz da VEP. RECURSOS CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS, na forma do voto do Relator.
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