TJRJ. APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAL E MORAL. TUTELA DE URGÊNCIA DEFERIDA. PLANO DE SAÚDE. MENOR DE 14 ANOS PORTADORA DE TRANSTORNO DE DESENVOLVIMENTO GLOBAL, MICROCEFALIA E OUTRAS DOENÇAS. NECESSIDADE DE TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONTRATUAL. NEGATIVA DE COBERTURA. ABUSIVIDADE. TRATAMENTO ADEQUADO E NECESSÁRIO PRESCRITO PELO MÉDICO ASSISTENTE E DEMAIS PROFISSIONAIS DE SAÚDE. INCIDÊNCIA DAS RN 539/2022
e RN 541/2022, AMBAS DA ANS. ADVENTO DA LEI 14.454/2022. PRECEDENTES DO STJ. OPERADORA QUE NÃO COMPROVOU POSSUIR OS SERVIÇOS EM SUA REDE CREDENCIADA. NECESSIDADE DE TRATAMENTO NAS PROXIMIDADES DA RESIDÊNCIA DA MENOR. REEEMBOLSO DAS DESPESAS COMPROVADAS NOS AUTOS. DANO MORAL CONFIGURADO. MAJORAÇÃO EM ATENÇÃO À RAZOABILIDADE. PROVIMENTO DO PRIMEIRO RECURSO, INTERPOSTO PELA AUTORA. DESPROVIMENTO DO SEGUNDO, INTERPOSTO PELA OPERADORA RÉ. 1. Ação de obrigação de fazer cumulada com indenizatória por danos material e moral, com pedido de tutela de urgência, em que a ré foi condenada a suportar os custos do tratamento multidisciplinar da autora, menor com 14 anos de idade, portadora de transtorno de desenvolvimento global, fenótipo compatível com síndrome de Angelman-like, microcefalia, artrogripose nos quatro membros, deficiência intelectual grave, com perda parcial de movimento por fibrose. 2. Alegação da ré apelante de que o tratamento não deve ser coberto por não estar previsto no contrato de prestação de serviço e ausência de comprovação de necessidade dos tratamentos que não merece prosperar. 3. No campo normativo, com o advento da Lei 14.454/2022, as operadoras de assistência à saúde poderão ser obrigadas a oferecer cobertura de exames ou tratamentos que não estão incluídos no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, uma vez que, de acordo com o texto legal, o rol de procedimentos e eventos em saúde passa a ser considerado apenas como referência básica para os planos privados de saúde contratados a partir de 01/01/1999. 4. A prescrição do tratamento adequado para caso da autora, portadora de transtorno de desenvolvimento global, foi resolvida na esfera regulatória, de acordo com o Parecer Técnico ANS . 39/GCITS/GGRAS/DIPRO/2022, que conferiu autonomia ao profissional que assiste o paciente para a escolha do melhor tratamento. 5. De igual sorte, foram editadas as RN 539/2022 e 541/2022, a primeira determinando às operadoras que indiquem profissional para executar a terapia indicada pelo médico que assiste o paciente, a segunda revogando as diretrizes de utilização (DUT) da cobertura de sessões de terapia com psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas, excluindo a limitação de número de sessões. 6. Lista de rede credenciada apresentada pela ré com a contestação que não comprova que as clínicas elencadas são aptas a realização da integralidade do tratamento multidisciplinar de que necessita a parte autora, próxima à residência da autora, considerando-se a condição específica da parte autora, conforme descrito no laudo médico. 7. Afasta-se a tese de que não pode a ré ser compelida a suportar os gastos decorrentes da realização de fisioterapia neuro motora pelo método Bobath e demais métodos apontados, sendo que, também em relação aos referidos atendimentos, deixou a ré de demonstrar a existência de prestadores aptos a oferecê-los, próxima à residência da paciente, 8. Menor autora que conta com 14 anos de idade, ou seja, pessoa em estágio de desenvolvimento, que, por isso, deve receber de imediato todo e qualquer tratamento que a auxilie em relação às moléstias de que é portadora, possuindo proteção integral, sendo que os tratamentos convencionais não se mostraram aptos a obstar a progressão das doenças que acometem a menor autora, razão pela qual necessita do tratamento multidisciplinar que lhe foi prescrito. 9. Nada justifica a resistência ao módulo do método Bobath e outros, técnicas modernas que integram o tratamento prescrito pela médica assistente neurologista infantil e profissionais de saúde que assistem a menor, na esteira do posicionamento espelhado no AgInt nos EDcl no REsp. Acórdão/STJ, sendo relator o Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 10/6/2024, publicado no DJe de 12/6/2024; no REsp 2.140.906, tendo como relator o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, publicado no DJe de 18/06/2024; e no AREsp 2.575.087, sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, com publicação no DJe de 11/06/2024. 10. Caracterizada a falha na prestação do serviço, tendo em vista a insuficiência da rede credenciada e a recusa injustificada da operadora em custear os tratamentos, deve ser condenada a arcar integralmente com o atendimento realizado em clínica particular dos procedimentos prescritos e necessários aos tratamentos de saúde da menor, mediante o reembolso integral à menor autora, nos termos do CDC, art. 14, § 3º, até que comprove a existência na rede credenciada de clínica apta a prestar todos os tratamentos prescritos à menor autora, próxima a sua residência, consideradas as especificidades, diante das várias doenças que acometem a menor, observando-se a dificuldade de locomoção, eis que menor não deambula e realiza tratamentos diários, conforme laudo médico e relatório clínico. 11. Profundo dissabor e insegurança que são juridicamente relevantes e excedem a órbita do mero aborrecimento, o que constitui causa eficiente para gerar danos morais. 12. Diante das circunstâncias do caso concreto, notadamente por se tratar de menor que conta com 14 anos de idade e sequer pode andar, deve ser majorado o valor de R$6.000,00 fixado na sentença, para o valor de R$10.000,00, em atenção ao princípio da lógica razoável e da proporcionalidade, bem como a extensão do dano, nos termos do CCB, art. 944, a teor da Súmula 343 deste Tribunal. 13. Majoração dos honorários advocatícios sucumbenciais em sede recursal. 14. Provimento do primeiro recurso, interposto pela autora e desprovimento do segundo, interposto pela operadora ré.
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