TJRJ. APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO PELO CONCURSO DE AGENTES E RESTRIÇÃO DA LIBERDADE DAS VÍTIMAS. ART. 157, § 2º, S II E V, DO CÓDIGO PENAL. RECURSO DEFENSIVO POSTULANDO SEJA DECLARADA A ILICITUDE DO RECONHECIMENTO REALIZADO AO ARREPIO DA NORMA DO CPP, art. 226, BEM COMO REFORMADA A SENTENÇA CONDENATÓRIA CULMINANDO COM A ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. PEDE, AINDA, O AFASTAMENTO DA QUALIFICADORA DO INCISO V, DO § 2º, DO CODIGO PENAL, art. 157, EIS QUE A SIMPLES RESTRIÇÃO DA LIBERDADE DA VÍTIMA, ENQUANTO OS AGENTES REALIZAM A SUBTRAÇÃO DOS BENS E EMPREENDEM FUGA, NÃO É SUFICIENTE PARA A SUA CARACTERIZAÇÃO. POR FIM, PLEITEIA A REVISÃO DOSIMÉTRICA. A
prova judicializada é certeira no sentido de que no dia 30 de dezembro de 2020, por volta das 22h00m, na Avenida Lúcio Costa, altura do 1.700, Barra da Tijuca, o recorrente ANDRÉ abordou a vítima Gabriel, dizendo que estava armado, que deveria fingir ser seu amigo e que o acompanhasse até o calçadão do outro lado da rua, caso contrário, levaria um tiro na nuca. Seguiram até um banco localizado no referido calçadão, onde se encontrava outro meliante ainda não identificado. Ato contínuo, os criminosos obrigaram Gabriel a entregar um celular APPLE IPHONE XR, um relógio da marca BREITLING, um notebook da marca HP, uma mochila preta da marca VINCI, uma mala de mão cinza da marca JEEP e um RioCard. Tiraram uma foto de Gabriel e de seus documentos, afirmando que iriam persegui-lo caso os «denunciasse". Além disso, ANDRÉ constrangeu e ameaçou Gabriel durante a atividade criminosa, a fornecer a senha do ICLOUD, a fim de que realizasse o desbloqueio do celular APPLE IPHONE XR subtraído, bem como a formatar o notebook HP, tendo a vítima fornecido a referida senha. Indagaram a vítima, ainda, se estava na posse de cartões de crédito e débito, tendo o ofendido respondido afirmativamente, mas que não tinha dinheiro na conta bancária. Na sequência, ANDRÉ afirmou que estava acionando um veículo no aplicativo UBER para ir para a favela e que Gabriel permaneceria com eles, contudo, em um momento de distração, a vítima correu em direção a um bar onde havia várias pessoas, ocasião em que os roubadores evadiram. Caderno de provas robusto e coerente, contando com a palavra das vítimas que, como consabido, nos crimes contra o patrimônio assume caráter probatório preponderante (TJERJ, Rel. Des. Suimei Cavalieri, 3ª CCrim, ApCrim 349003-19/09, julg. em 24.04.12), sobretudo quando não se identificam vínculos entre os protagonistas do fato (TJERJ, Rel. Des. Marcus Basílio, 1ª C. Crim, Ap. Crim 219811-42/2009, julg. em 30.07.2012). Plenamente configurada na dinâmica delitiva a causa de aumento do concurso de pessoas, a qual, para a sua caracterização «é suficiente a concorrência de duas ou mais pessoas na execução do crime, circunstância evidenciada no caso, vez que a vítima afirmou que havia dois integrantes na prática delitiva. (Precedentes)". (HC 200.209/RJ, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 15/08/2013, DJe 26/08/2013). Igualmente comprovada, e pela mesma fonte idônea, a vítima, conforme a prova oral produzida nos autos, que ANDRÉ manteve Gabriel por, aproximadamente, 40 minutos em seu poder, sempre sob reiteradas ameaças de morte de modo a restringir-lhe a liberdade e a obrigá-lo a entregar senhas de celular, iCloud e computador. Em relação ao reconhecimento realizado, não há falar-se em eventual desatenção ao previsto no CPP, art. 226. A análise do caso concreto demonstra a total fidedignidade do reconhecimento feito por Gabriel, haja vista que ANDRÉ o manteve sob seu jugo por aproximadamente quarenta minutos, tempo mais do que suficiente para que Gabriel bem registrasse em sua memória os traços fisionômicos do roubador. E, tal fato se mostrou tão relevante que a própria sentenciante o registrou no julgado, ao afirmar que Gabriel, em AIJ, aduziu que durante toda a intentada criminosa manteve contato visual com o acusado, que não usava nada para cobrir seu rosto e, justamente por essa razão, teve tanta facilidade em reconhecê-lo. Gabriel explicou que registrou a ocorrência assim que voltou de viagem, mas, na ocasião, depois de ter visto várias fotos de suspeitos em um álbum, não identificou o réu. Passado algum tempo, um amigo lhe enviou uma notícia que informava que o réu havia sido preso e, no mesmo instante em que bateu os olhos na foto da reportagem, o reconheceu. Diante disso, retornou à delegacia para realizar formalmente o reconhecimento. Nesses termos, não haverá cogitar-se do reconhecimento vinculado ao CPP, art. 226, geralmente realizado a partir de um álbum de fotos na sede distrital. Do contrário, o caso concreto constitui verdadeiro «distinguishing» do novel entendimento do E. STJ sobre o tema, ao cuidar de um reconhecimento absolutamente certeiro, solidamente construído a partir das memórias vivas daquele roubador que manteve a vítima sob jugo por quarenta minutos, e que nada utilizava a encobrir o rosto. Gabriel reconheceu, sem sombra de dúvidas, ANDRÉ em sede policial (fls. 23) e, posteriormente, em sede judicial, quando o recorrente foi colocado ao lado de um dublê. Ademais, consta ainda dos autos que, antes de proceder à sala de reconhecimento do Juízo, Gabriel descreveu pormenorizadamente as características físicas do réu. Ressalte-se, desse modo, que o ato de reconhecimento realizado em sede policial foi devida e formalmente refeito em Juízo, sendo certo que qualquer vício eventualmente existente na fase pré-processual fora espancado. Correto, portanto, o juízo de desvalor da conduta vertido na condenação que deve ser mantida, não havendo falar-se em absolvição a qualquer título. No plano da dosimetria, a sentença desafia pequenos ajustes. Na primeira fase, na forma da previsão expressa do CP, art. 59, a sentenciante valorou as consequências do crime, utilizando como critérios o elevado valor do patrimônio material subtraído (cerca de R$ 30.000,00), bem como o patrimônio imaterial consistente na perda de parte da tese de mestrado do lesado, que se encontrava no laptop. Em relação ao bem material perdido, este, de fato, é consequência ordinária do tipo de crime em exame, o que não ocorre com o patrimônio imaterial, que pode, sim, ser inserido dentre o rol de consequências negativamente valoráveis, mormente em se tratando de um trabalho intelectual intenso e acurado como é uma tese de mestrado. Portanto, pena base que se reajusta para que diste em 1/6 do piso da lei, 4 anos e 8 meses de reclusão e 11 dias-multa. Na segunda fase, para a dupla reincidência específica de ANDRÉ no idêntico crime de roubo (esclarecimento de FAC, pasta 199) o sentenciante impôs a fração de 1/3, contra a qual se insurgiu a defesa técnica. De fato, o juiz não fez qualquer distintiva para utilizar essa fração de 1/3, razão pela qual devemos usar a fração de 1/5 para aquinhoar essas duas condenações anteriores). Intermediária que vai a 05 anos, 07 meses e 06 dias de reclusão e 13 dias-multa. Por fim, nos exatos limites e circunstâncias do caso concreto a fração de 3/8 utilizada pela douta julgadora para aquinhoar as duas causas de aumento relativas ao concurso de agentes e restrição da liberdade das vítimas se mostra adequada, remetendo a sanção final de ANDRÉ a 07 anos, 08 meses e 12 dias de reclusão e 17 dias-multa. Mantido o regime fechado aplicado, em se tratando de reincidente condenado a pena de reclusão superior a quatro anos, sendo certo que mesmo operada a detração tal regime não se modificaria. Impossível a substituição do art. 44 ou mesmo o «sursis» do art. 77, ambos do CP, em razão da presença da violência/grave ameaça ínsita ao roubo, e da superação do quantitativo limite de pena à aquisição desses benefícios. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO, na forma do voto do Relator.
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