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DOC. 817.2476.3678.4835

TJRJ. APELAÇÃO CRIMINAL. LEI 10.826/2003, art. 16, CAPUT. RECURSO DEFENSIVO ARGUINDO A NULIDADE DA SENTENÇA, POR NÃO TER ENFRENTADO A TESE DE INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NO MÉRITO, DESEJA A ABSOLVIÇÃO POR: 1) FRAGILIDADE PROBATÓRIA; 2) ATIPICIDADE DE CONDUTA. ALTERNATIVAMENTE, REQUER A SUBSTITUIÇÃO DE UMA DAS PENAS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE POR PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA.

Sobre a preliminar arguida, não há falar-se em nulidade da sentença pelo não enfrentamento explícito da tese de incidência do princípio da insignificância. Na verdade, a julgadora, após analisar a prova produzida nos autos, decidiu, de forma fundamentada, pela tipicidade da conduta, condenando o apelante pelo crime de posse ilegal de munições de uso restrito, ao argumento, dentre outros, de que «o tipo penal da Lei 10.826/2003, art. 16 encerra definição de crime de mera conduta, com tipificação a partir do perigo abstrato. Assim, prescinde de demonstração de ofensividade real ou resultado naturalístico, satisfazendo a consumação do delito com a mera prática de qualquer dos núcleos do tipo penal". Tal argumentação afasta, por incompatibilidade lógica, a necessidade de expressa manifestação acerca da tese de incidência do princípio da insignificância. Ademais, a defesa poderia ter oposto embargos de declaração diante do que, a seu ver, configurou uma omissão na sentença, mas não o fez, preferindo arguir a nulidade da sentença, o que certamente traria transtornos a seu assistido, na medida em que prolongaria desnecessariamente a entrega da prestação jurisdicional definitiva. Quanto ao não enfrentamento de todas as teses defensivas, a jurisprudência do STJ firmou entendimento no sentido de que «o julgador não é obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos das partes, bastando que resolva a situação que lhe é apresentada sem se omitir sobre os fatores capazes de influir no resultado do julgamento (AgRg no AREsp. Acórdão/STJ, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 7/2/2023, DJe de 13/2/2023). Ressalte-se, também, que a jurisprudência das Cortes Superiores se firmou no sentido de que, no campo da nulidade no processo penal, vigora o princípio pas de nulité sans grief, previsto no CPP, art. 563, segundo o qual o reconhecimento de nulidade exige a comprovação de efetivo prejuízo, o que não ocorreu na presente hipótese. Preliminar que se rejeita. No mérito, restou comprovado que, em data que não se pode precisar, mas até 29 de julho de 2020, no interior de sua residência, o recorrente possuía munição de uso restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar. Segundo a prova produzida, a partir do cumprimento do mandado de busca e apreensão expedido pelo Juízo da 4ª Vara Criminal no processo no 0136245-15.2020.8.19.0001, no endereço do apelante, policiais da Divisão de Homicídio apreenderam 02 (dois) cartuchos intactos, marca CBC, calibre .223 Remington, utilizados em arma de fogo do tipo fuzil e 02 (duas) miras «Red Dot". Contrariamente ao que argumenta a defesa, a autoria é inconteste. Os relatos dos policiais são firmes e harmônicos nesse sentido, sendo certo que pequenas divergências que porventura existam não lhes retiram a robustez. É assente na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que «o depoimento dos policiais prestado em juízo constitui meio de prova idôneo a resultar na condenação do paciente, notadamente quando ausente qualquer dúvida sobre a imparcialidade das testemunhas, cabendo à defesa o ônus de demonstrar a imprestabilidade da prova, fato que não ocorreu no presente caso» (HC 165.561/AM, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 15/02/2016). Idêntico é o posicionamento adotado por este Tribunal de Justiça, explicitado no verbete sumular 70. Quanto ao pleito de reconhecimento de atipicidade da conduta, com aplicação do princípio da insignificância, este não se aplica ao caso dos autos. Não se desconhece que o Supremo Tribunal Federal passou a admitir a possibilidade de incidência do princípio da insignificância nos casos de apreensão de quantidade ínfima de munição, desde que desacompanhada de arma de fogo. Tal entendimento também foi adotado pelas Turmas que compõem a Terceira Seção do STJ. Contudo, manteve-se o entendimento de que a aplicação do «princípio da insignificância não pode levar à situação de proteção deficiente ao bem jurídico tutelado. Portanto, não se deve abrir muito o espectro de sua incidência, que deve se dar apenas quando efetivamente mínima a quantidade de munição apreendida, em conjunto com as circunstâncias do caso concreto, a denotar a inexpressividade da lesão» (HC n.458.189/MS). Assim, a orientação jurisprudencial firmada só se aplica a situações excepcionais e quando presentes os demais vetores exigidos para a aplicação do princípio da insignificância, quais sejam: ofensividade mínima da conduta, inexistência de periculosidade social do ato, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão provocada. Feitas tais considerações, verifica-se que no presente caso, os policiais apreenderam na residência do apelante duas munições intactas adequadas a armas de fogo do tipo fuzil, de uso restrito (id. 43). No mesmo contexto foram arrecadados dois coldres para arma de fogo do tipo pistola (id. 23), duas miras óticas «Red Dot» (id. 41). Não se perca de vista que a diligência realizada se deu em cumprimento de um MBA expedido por um outro juízo, em que se investiga um crime de homicídio, como admitiu o próprio apelante. Em que pese não ter sido arrecadada arma de fogo, o encontro de duas munições de uso restrito, associado às demais circunstâncias mencionadas, não permite que se conclua que a reprovabilidade do comportamento é reduzida, tampouco que é mínima a ofensividade da conduta perpetrada. Como consabido, crimes de perigo abstrato independem da prova de ocorrência de efetivo risco para quem quer que seja. No tocante às armas, o legislador, diverso do entendimento havido quando ainda em vigor a Lei 9.437/97, concluiu que o Estado, para cumprir o seu dever na oferta da segurança pública, passou a necessitar de um controle mais rigoroso na oferta pública das armas e munições. O elevado grau de insegurança pública que acometeu o seio social demonstra que o Estado de hoje não mais consegue guarnecer o bem jurídico segurança pública apenas com a proibição do porte de arma de fogo. Desse modo, fica afastada a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância. Condenação que se mantém. No que diz respeito à dosimetria, penas bem dosadas no mínimo e corretamente fixado o regime aberto. Contudo, em relação à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, a julgadora aplicou duas sanções da mesma espécie (prestação de serviços à comunidade), quando somente poderia fazê-lo se de espécies diferentes. Assim, uma delas deve ser substituída por prestação pecuniária no valor de um salário-mínimo, o que se mostra adequado e proporcional ao caso em tela. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

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