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DOC. 917.6681.5782.6232

TST. RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO POR EMPRESA DE TRANSPORTE MARÍTIMO EM AÇÃO ANULATÓRIA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO - ANEXO DA CLÁUSULA 3ª («TABELAS SALARIAIS DO ACORDO COLETIVO DE TRABALHO» E «TABELA ESPECIAL - SERVIÇOS CONTÍNUOS») DO ACORDO COLETIVO DE TRABALHO DE 2021/2023 - POSSIBILIDADE DE FLEXIBILIZAÇÃO POR NORMA COLETIVA (ARTS. 7º, XXVI, DA CF, 611-A, I, E 611-B, XVII E PARÁGRAFO ÚNICO, DA CLT) - DOUTRINA SOCIAL CRISTÃ - PRINCÍPIOS DA SUBSIDIARIEDADE E DA PROTEÇÃO - VALIDADE DA NORMA CONVENCIONADA - PROVIMENTO.

1. O art. 611-A, caput, da CLT preconiza que « a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: I - pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais ». 2. Por sua vez, apesar de o art. 611-B Consolidado dispor que constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos direitos referentes às normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho (item XVII), o parágrafo único da aludida norma é expresso ao prever que as « regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo ». 3. O 2º Regional julgou procedente o pedido de nulidade do Anexo da Cláusula 3ª, ao fundamento de que: a) o art. 611- A da CLT não chancela disposições normativas que autorizam a prorrogação de jornada em limite superior ao previsto em lei (CLT, art. 61), ou seja, 10 horas diárias, pois tais disposições afrontam norma constitucional que prevê, como patamar mínimo garantido a todos os trabalhadores, a redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde higiene e segurança, prevista no art. 7º, XXII, da CF; b) somente em casos excepcionalíssimos é permitida a prorrogação da jornada de trabalho para além do limite legal, nos termos do CLT, art. 61, caput; c) é inconstitucional disposição legal que elastece a jornada de trabalho para além das 10 horas permitidas em lei, na medida em que tais jornadas impactam a saúde e higiene do trabalho, além de que, a jornada de trabalho 7x7 prevista na referida cláusula implica na concessão do DSR somente após o sétimo dia de trabalho, sendo certo que a concessão de repouso semanal remunerado é medida de medicina e segurança do trabalho, daí porque incorreu em contrariedade à Orientação Jurisprudencial 410 da SDI-1 do TST e em afronta ao art. 7º, XV, da CF. 4. In casu, assiste razão à Recorrente, pois a decisão regional foi proferida em contrariedade: a) ao disposto no art. 7º, XXVI, da CF, que estabelece o reconhecimento dos acordos e das convenções coletivas de trabalho, bem como no tocante aos arts. 611-A, I, e 611-B, XVII e parágrafo único, da CLT, que são absolutamente claros a respeito da possibilidade de flexibilização, como ocorreu in casu, porquanto as regras sobre duração do trabalho não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, constituindo, portanto, objeto lícito da CCT em apreço; b) ao disposto no art. 7º, XIII, da CF, pois, ainda que haja a extrapolação da jornada de duração semanal de 44 (quarenta e quatro) horas, o próprio instrumento normativo prevê a folga compensatória de 72 (setenta e duas) horas, em condições mais favoráveis e de interesse dos trabalhadores, após o término do período de embarcação, cuja jornada não é desarrazoada a ponto de afrontar o princípio da dignidade da pessoa humana, além de que, o Acordo Coletivo de Trabalho em apreço foi negociado por 6 (seis) anos, o que deve ser prestigiado por esta Justiça Especializada, em face das peculiaridades que envolvem as condições de trabalho dos marítimos, o que permite validar o instrumento normativo sem que haja atentado à Carta Magna, mormente porque há outras situações nesse sentido já sufragadas por esta Corte Superior; c) às referidas normas, que são dotadas de eficácia plena e, portanto, de aplicação imediata, porquanto inseridas no ordenamento jurídico pátrio, presumindo-se, pois, a sua constitucionalidade, razão pela qual o Anexo da Cláusula 3ª é plenamente válido em sua totalidade; d) ao disposto no § 3º do CLT, art. 8º, verbis : « no exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva »; e) às decisões proferidas pelo saudoso Ministro Teori Zavascki, no processo STF-RE-895.759, e pelo Ministro Roberto Barroso, no processo STF-RE 590.415, no sentido de que a Constituição de 1988, em seu art. 7º, XXVI, prestigiou a autonomia coletiva da vontade e a autocomposição dos conflitos trabalhistas, acompanhando a tendência mundial ao crescente reconhecimento dos mecanismos de negociação coletiva, retratada na Convenção 98/1949 e na Convenção 154/1981 da Organização Internacional do Trabalho; f) à tese fixada pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal no Tema 1.046 da Tabela de Repercussão Geral, no sentido de que « são constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis »; g) à jurisprudência da SDC desta Corte, que firmou o entendimento de que as normas coletivas envolvendo os trabalhadores marítimos devem ser prestigiadas, haja vista as peculiaridades que envolvem as suas condições de trabalho. 5. Oportuno assinalar que, não obstante o disposto na OJ 410 da SDI-1 do TST e no art. 611-B, IX, da CLT, tal situação não se amolda à hipótese dos autos, uma vez que a referida cláusula, em nenhum momento, suprimiu ou reduziu o direito ao repouso semanal remunerado, mas, ao contrário, o preserva expressamente, como acordado pelas Partes, principalmente porque a lei é clara ao prever que o descanso semanal se dará preferencialmente aos domingos, e não apenas aos domingos, justamente por depender da atividade econômica desempenhada que, in casu, refere-se aos trabalhadores marítimos, daí porque o Anexo da Cláusula 3ª encontra-se em perfeita harmonia com o disposto no art. 6º, caput e parágrafo único, da Lei 10.101/00. Ou seja, quem vai estabelecer se vai ser no domingo, ou não, se não a negociação coletiva? Somente por meio de negociação coletiva é que tem sido admitida tal disposição. 6. Com efeito, revela-se inaplicável a orientação contida na OJ 410 da SDI-1 desta Corte, in casu, na medida em que se refere à disposição relativa aos dissídios individuais, de interpretação da lei, e não aos dissídios coletivos, onde impera a regra de que o negociado prevalece sobre o legislado. 7. Por fim, não é demais lembrar que o prestígio à negociação coletiva encontra suas raízes mais profundas na Doutrina Social Cristã, fonte material da CLT, conforme registrado por um de seus redatores, o Min. Arnaldo Süssekind, tal como estampada originariamente na Encíclica «Rerum Novarum» (1891), do Papa Leão XIII. Dois princípios que mais devem ser conjugados para se promover a Justiça Social são os princípios da subsidiariedade e da proteção, e nessa ordem. Pelo princípio da subsidiariedade (cfr. Rerum Novarum, pontos 8 e 21-22), o Estado não deve se substituir às sociedades menores (famílias, empresas, sindicatos, associações, etc) naquilo em que podem promover o bem e os interesses de seus integrantes. Apenas quando houver efetiva incapacidade dessas sociedades menores é que o Estado intervém no domínio socioeconômico, pelo princípio da proteção (cfr. Rerum Novarum, pontos 27-29), editanda Leis que ajudem a promover o bem comum de seus cidadãos nas diferentes esferas, coibindo os abusos e reestabelecendo o equilíbrio de forças. Nesse sentido, decorre dos princípios da subsidiariedade e da proteção o prestígio à negociação coletiva como melhor meio de compor os conflitos laborais, de forma prévia e autônoma, por aqueles que melhor conhecem as condições de trabalho em cada segmento produtivo, que são os próprios trabalhadores, representados por seus sindicatos de classe, e as empresas (cfr. Ives Gandra Martins Filho, «Manual de Direito e Processo do Trabalho», Saraiva - 2023 - São Paulo, 28ª edição, tópico «Doutrina Social Cristã», págs. 21-25). Recurso ordinário provido .

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