TJRJ. APELAÇÃO CRIMINAL. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. PRELIMINARES QUE SE REJEITAM. CONJUNTO PROBATÓRIO APTO A EMBASAR A CONDENAÇÃO NOS MOLDES CONSIGNADOS PELO SENTENCIANTE. DOSIMETRIA QUE DESAFIA PEQUENO AJUSTE - APENAS NO QUE TANGE AS PENAS DE MULTA. 1)
Preliminares. Nulidade da Interceptação Telefônica. 1.1) Ao contrário do que afirma a defesa, a decisão que autorizou a ação controlada, a interceptação telefônica e quebra do sigilo de dados e suas prorrogações encontram-se suficientemente fundamentadas, mormente se considerando que essa investigação identificou uma organização criminosa armada, especializada em roubo de veículos, roubo de carga, receptação e venda dos objetos subtraídos, praticados no Município de Duque de Caxias, ensejando a denominada Duque de Ferro (Inquérito 908-06291/2020 - D.R.F.A. da Polícia Civil), o que possibilitou a individualizações dos suspeitos e eventuais comparsas, o que aqui restou apurado, tendo o juízo a quo feito expressa referência à situação concreta dos autos. 1.2) Conforme se constata nas decisões vergastadas, a magistrada adotou a técnica da motivação per relationem, incorporando às razões de decidir os fundamentos da representação da autoridade policial e da manifestação Ministério Público, que explicitaram a necessidade e a operacionalização das medidas para a correta identificação dos envolvidos nos crimes. Precedente. 1.3.) Nesse contexto, se observa que o pedido de escuta telefônica possuía propósito claro e específico, qual seja, desbaratar uma organização criminosas especializada em roubo de veículos, roubo de carga, adulteração de sinal identificador de veículo automotor, falsificação de documentos, receptação, etc, praticados no Município de Duque de Caxias, acorde indícios anteriormente colhidos, reportando-se seu objeto a fatos pretéritos e determinados. 1.4) Outrossim, in casu a investigação chegara num ponto em que impossível a colheita de provas por outros meios, sendo notório a instauração pelos criminosos, da denominada lei do silêncio, como pontuado pela autoridade policial, indicando que os colaboradores - moradores e comerciantes da região -, solicitaram anonimato total por terem medo de sofrer represarias contra sua integridade física e de seus familiares . Não por outro motivo, a jurisprudência firmou-se no sentido de considerar ônus da defesa a demonstração da disponibilidade de outros meios probatórios. Não por outro motivo, a jurisprudência firmou-se no sentido de considerar ônus da defesa a demonstração da disponibilidade de outros meios probatórios. Precedentes. 2) Para melhor compreensão dos fatos, cumpre volver aos precedentes que originaram a chamada Operação Duque de Ferro, conforme minudente descrição realizada pela acusação em sua peça inaugural, in verbis: Trata-se de ação penal deflagrada a partir de inquérito policial instaurado com o objetivo de identificar integrantes de uma organização criminosa especializada em roubo de veículos, roubo de carga, adulteração de sinal identificador de veículo automotor, a falsificação de documentos, receptação, etc, praticados no Município de Duque de Caxias. De acordo com o que foi apurado na investigação que acompanha a presente, os denunciados integram organização criminosa responsável pela pratica uma série de crimes contra o patrimônio na cidade de Duque de Caxias e adjacências. É importante ressaltar que os denunciados praticaram uma série de crimes violentos, com emprego de arma de fogo, formando Organização Criminosa extremamente perigosa, que atua de forma violenta e com um sistema de poder hierarquizado, com a possibilidade de fungibilidade de seus membros que cumpria as ordens provindas do líder do aparelhamento criminoso. Porém, todos os integrantes possuíam pleno conhecimento da ilicitude e agiam com completo domínio funcional dos fatos criminosos que lhes foram conferidos. A presente investigação teve início a partir de análise de dados de inteligência, cruzamento de dados e entrevista com testemunhas, além da interceptação dos terminais telefônicos judicialmente autorizadas, utilizados pelos denunciados, por seus comparsas ainda não identificados ou ainda por pessoas a eles intimamente ligadas, os quais realizam roubos de veículos, roubos a transeuntes roubos de carga e outros crimes vinculados. Todo o profissionalismo criminoso demonstra e comprova a consciência e a vontade dos denunciados de organizarem-se com o fim de obter vantagem de qualquer natureza, de forma estável e permanente. No histórico julgamento da Ação Penal 470 (conhecida como Mensalão ), O Supremo Tribunal Federal assentou orientação de que a configuração de uma organização criminosa depende da comprovação da existência de esforço articulado dos réus para a prática do ilícito, além de relação de absoluta sujeição entre eles. Para a Corte, o dolo vai além de uma colaboração isolada no delito que a organização criminosa porventura venha a cometer. Participar é aderir não só ao propósito de realizar um ou mais delitos isolados, mas vivenciar a realidade daquela estrutura organizada que atua à margem da lei. Os parâmetros fixados pela doutrina e jurisprudência como essenciais para a caracterização de uma organização criminosa foi amplamente demonstrada durante as investigações, conforme inúmeras transcrições de diálogos realizados entre os milicianos e obtidos a partir de interceptações telefônicas judicialmente autorizadas. Encerradas as investigações foi possível identificar a existência de dois núcleos existentes dentro do grupo criminoso: O núcleo 1, envolvido diretamente com o crime de roubo de cargas, automóveis e estabelecimentos comerciais; e o núcleo 2, que são responsáveis pela receptação dos produtos roubados pelos integrantes do núcleo 1. 3) Conforme se constata, a investigação logrou vincular os Apelantes às alcunhas citadas nos diálogos e identificá-los por conta do cruzamento de dados. Nesse quadro, o ônus de infirmar que a eles pertenciam as vozes captadas nas gravações competiria às defesas, conforme regra de repartição do ônus probatório disposta no CPP, art. 156, caput, tarefa da qual, entretanto, estas não se desincumbiram. 4) E nessa esteira, também se apurou que os acusados se utilizavam das expressões trabalho (roubo), cortador (responsável por abrir a carga do caminhão), peça (armas de fogo), bater pista (procurar veículo de carga a ser roubado), bagulhos (carga roubada), capetinha (bloqueador de sinal), entre outros como delineado nas interceptações. 5) De acordo com a prova dos autos, a malta era subdividida em 02 núcleos: os roubadores, liderado por Michel, e os receptadores e vendedores liderado por Roberto Patric, pois eram eles que organizavam a malta para prospectar veículos, convocava os integrantes para as ações, além de fazerem sinergia com a organização criminosa CV, o que possibilitava que os veículos de carga roubados, fossem direcionados para comunidades dominadas por essa facção criminosa, onde eram realizados o transbordo de cargas e, por vezes, a venda imediata da carga roubada na própria Comunidade. 6) E de acordo com a organização dos núcleos, as tarefas se subdividiam da seguinte forma: - Núcleo dos roubadores, integrado pelos acusados Michel, Fredson, Anderson, Roberto Jeferson, Márcio, Rômulo, Monique, Fábio, Walace, Lucas Hotz, Ronald, Leonardo, Luís Cláudio, Lucas Rodrigues e Lucas Vitório. - Núcleo dos receptadores e vendedores, integrado por Roberto Patric, Roberto Jeferson, Márcio, Vitor Santana, Rômulo, Michel, Leonardo Rodrigues, Tatiana e Patrick Tussini. 7) Aqui cumpre pontuar que, por vezes, alguns elementos que participam do grupo de roubadores, também atuam na venda das mercadorias roubadas, assim como membros do grupo de receptadores e vendedores, atuam diretamente nos roubos. 8) Na esteira, observa-se que o crime de organização criminosa se consuma com a simples reunião de quatro ou mais pessoas com o fim de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações graves. Trata-se de delito autônomo em relação aos demais crimes que venham a ser praticados pela organização criminosa, sendo despiciendo que seja praticado qualquer outro crime para sua consumação. 9) Assim, quanto à alegação da insuficiência dos requisitos necessários para a configuração da organização criminosa armada, olvidam as defesas que os registros de ocorrência dos roubos de veículos e cargas, ambos com emprego de armas de fogo, as declarações das vítimas em sede policial, o período das interceptações telefônicas, os diálogos degravados, e a prova oral colhida em Juízo, compravam a presença dos vínculos de estabilidade e permanência dos denunciados, unidos em uma estrutura organizada com divisão de tarefas, buscando a obtenção de vantagem patrimonial por meio da prática de roubo de veículos de cargas transportadas por caminhões, a receptação e a posterior venda dos bens subtraídos. Precedente. 10) Portanto, os registros de ocorrência dos roubos de veículos e cargas, ambos com emprego de armas de fogo, as declarações das vítimas em sede policial, o período das interceptações telefônicas, os diálogos degravados, e a prova oral colhida em Juízo, analisados em conjunto, demonstram claramente o vínculo associativo, a estabilidade e permanência necessárias à configuração do delito organização criminosa armada previsto no Lei 12.850/2013, art. 2º, §§ 2º, 3º e 4º, IV, desservindo para afastá-los as ilações apontadas pelas Defesas, em sede de apelo. 11) Dosimetria. 11.1) Aqui cumpre asserir que nada obsta ao sentenciante, se utilizar de condenações anteriores diversas para caracterizar a reincidência, ou à conta de maus antecedentes na primeira fase da dosimetria, como assente na Jurisprudência do STJ. Precedente. 11.2) Por seu turno, a jurisprudência das Cortes Superiores é remansosa no sentido da incidência da majorante do emprego de arma de fogo, apesar de não ter sido o artefato apreendido e periciado, quando evidenciado o seu efetivo emprego por outro meio de prova, inclusive os registros de ocorrência dos roubos de veículos e cargas, as declarações das vítimas em sede policial, os diálogos degravados, e a prova oral colhida em Juízo, como no caso dos autos. Precedente. 11.3) Do mesmo modo, não resta dúvidas de que a organização criminosa contava com elevado número de membros (18 denunciados), e matinha conexão com a facção criminosa Comando Vermelho, e por isso lhe era permitido direcionar os veículos de cargas subtraídos, para as comunidades por ela subjugadas, onde eram realizados os transbordo das cargas, e por vezes sua venda direta no local, como se extrai dos registros de ocorrência dos roubos de veículos e cargas, ambos com emprego de armas de fogo, das declarações das vítimas em sede policial, dos diálogos degravados, e da prova oral colhida em Juízo. Nesse contexto, encontra-se adequadamente fundamentado o cúmulo das causas de aumento de pena do art. 2º, §§ 2º (emprego de armas de fogo), e 4º, IV (conexão com outras organizações criminosas independentes), da Lei 12.850/2013. Precedente. 11.4) Esclarecidas essas premissas, revela-se escorreita a valoração do vetor maus antecedentes, na primeira fase da dosimetria penal para o acusado Anderson, razão pela qual encontra-se justifica o afastamento da pena-base de seu mínimo legal, como levado a efeito pelo sentenciante, fixando-as em 03 anos e 06 meses de reclusão, redimensionando-se a pena de multa para 11 dias-multa, nos moldes do art. 49 do C.P. 11.5) Com relação aos acusados Walace e Tatiana, observa-se que suas penas-bases foram fixadas em seu mínimo legal de 03 (três) anos de reclusão, e 10 (dez) dias-multa. 11.6) Na esteira, verifica-se que as penas intermediárias não sofreram alterações. 11.7) Na terceira fase, mantém-se o cúmulo das causas de aumento de pena do art. 2º, §§ 2º (emprego de armas de fogo), e 4º, IV (conexão com outras organizações criminosas independentes), da Lei 12.850/2013, nos moldes consignados pelo sentenciante, 1/2 e 1/6, respectivamente. 11.8) Assim, mantém-se integralmente as penas corporais impostas aos acusados, redimensionando-se apenas as de multa, nos moldes do CP, art. 49, que se assim se acomodam: Anderson Andrade: 06 (seis) anos, 01 (um) mês e 15 (quinze dias) de reclusão, e 19 (dezenove) dias-multa, Walace e Tatiana: 05 (cinco) anos e 03 (três) meses de reclusão, e 17 (dezessete) dias-multa. Parcial provimento dos recursos.
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