TJRJ. APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO MAJORADO PELO EMPREGO DE ARMA DE FOGO. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PUGNANDO PELA CONDENAÇÃO, NOS TERMOS DA DENÚNCIA.
A exordial acusatória narra que no dia 04 de dezembro de 2022, por volta das 19h40min, no interior do coletivo da linha 129b, na Rodovia Presidente Dutra, s/n, no bairro de Irajá, nesta cidade, o denunciado, livre e consciente, subtraiu, para si ou para outrem, mediante grave ameaça exercida com emprego de arma de fogo, o telefone celular, modelo APPLE IPHONE, de Emerson Pereira Vieira, conforme Registro de Aditamento que instrui a presente. Conforme a inicial, os autos revelam que no dia, hora e local retro mencionados, o denunciado embarcou no referido coletivo, como se passageiro fosse, e, mediante emprego de arma de fogo, anunciou o assalto e subtraiu o aparelho celular de uma passageira não identificada e, ato contínuo ordenou que Emerson lhe entregasse o seu telefone celular, no que foi prontamente atendido. Prossegue a denúncia informando que, temerosa por sua integridade física e intimidada por seu algoz, a vítima não reagiu e, após o roubo, o denunciado evadiu-se do local, tomando rumo ignorado e levando consigo a res furtiva. Assim, o Parquet denunciou o acusado como incurso nas sanções penais do art. 157, §2º-A, I, do CP. O pleito ministerial condenatório não merece acolhimento. Integram o caderno probatório o registro de ocorrência 039-08925/2022 e seu aditamento 039-08925/2022-01 (id. 5872177, id. 5872179), os termos de declaração (id. 5872178, auto de prisão em flagrante (id. 69945303), o auto de apreensão (id. 69945303), os termos de declaração (ids. 69945306, 69945307, 69945322) e a prova oral produzida em juízo, sob o crivo do contraditório. Em que pese a existência de provas quanto à materialidade do delito, não há nos autos elementos robustos suficientes a indicar a autoria delitiva. No presente caso, a vítima em sede policial descreveu as características do apelado e disse que o reconheceu por fotografia como a pessoa que praticou o roubo. Em que pese o reconhecimento feito em sede policial ter sido confirmado em juízo, do depoimento prestado pelas vítimas em audiência se infere não haver elementos suficientes para tal reconhecimento. Isto porque em juízo a vítima disse que não encarou o rosto da pessoa que praticou o ato delitivo com clareza, e, além disso, em sede policial, a vítima alegou que, quando retornou à delegacia, lhe mostraram vídeos de assaltos ocorridos na Pavuna, e somente depois é que ocorreu o reconhecimento fotográfico. Como bem exposto pelo juízo de piso: «Não se desconhece ainda que o acusado foi reconhecido pelo lesado em Juízo, de forma direta e pessoal, como o autor da espoliação que sofrera, todavia, conforme se observa, tal individualização de responsabilidade derivou, diretamente, da iniciativa de um agente da lei de lhe apresentar, aproximadamente dois/três meses após a rapinagem (roubo em dezembro, visualização das imagens por volta dos meses de fevereiro/março), vídeos de outros delitos patrimoniais perpetradas pelo implicado, além de apenas duas fotografias, sendo ambas, exclusivamente do réu (...)» O ora recorrido, por sua vez, exerceu o seu direito constitucional de permanecer em silêncio. A respeito de prova sustentada por reconhecimento fotográfico, tido como nulo, o STJ é do entendimento de que o valor probatório do reconhecimento possui considerável grau de subjetivismo, a potencializar falhas e distorções do ato e, consequentemente, causar erros judiciários de efeitos deletérios e muitas vezes irreversíveis. Além disso, o reconhecimento de pessoas deve, portanto, observar o procedimento previsto no CPP, art. 226, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se vê na condição de suspeito da prática de um crime, não se tratando de «mera recomendação» do legislador, uma vez que a inobservância de tal procedimento enseja a nulidade da prova e, portanto, não pode servir de lastro para a condenação do réu, ainda que confirmado, em juízo, o ato realizado na fase inquisitorial, a menos que outras provas, por si mesmas, conduzam o magistrado a convencer-se acerca da autoria delitiva. Precedentes. Assim, é possível a validade do reconhecimento fotográfico em sede administrativa, desde que observadas determinadas condições e que, posteriormente, seja corroborado pelas demais provas dos autos. No caso dos autos, não houve prisão em flagrante, o reconhecimento fotográfico é precário, a afrontar o regramento previsto no CPP, art. 226, II e tende a configurar nulidade da prova, conforme entendimento do STJ e dessa Colenda Câmara. Em que pese a prova da materialidade e a real possibilidade de que o imputado possa ter sido protagonista do roubo em exame, emerge dos autos que a prova certeira, indispensável em relação à autoria à condenação, em sede penal, não se faz presente. Isso porque, conforme visto alhures, o reconhecimento realizado por meio de fotografia foi viciado em sua origem, e, sua confirmação em juízo apenas foi um desdobramento deste ato, não se sabendo com certeza se tal reconhecimento foi, realmente, do roubador ou da memória que a vítima tinha da foto exibida em sede policial. Dessa forma, a prova cinge-se ao sugestionado reconhecimento por foto realizado em sede inquisitorial. A condenação com fulcro na prova indiciária já precária contamina toda a instrução criminal, não sendo lídima a supedanear o édito penal condenatório almejado pelo Ministério Público. Nesses termos, deve ser mantida a sentença, razão pela qual deve-se aplicar o princípio de que a dúvida, em sede penal, se resolve a favor do réu. A dúvida razoável inviabiliza um decreto condenatório, eis que inexistentes elementos de convicção exigidos para condenação: «(...) 2. A presunção de inocência, princípio cardeal no processo criminal, é tanto uma regra de prova como um escudo contra a punição prematura. Como regra de prova, a formulação mais precisa é o standard anglo saxônico no sentido de que a responsabilidade criminal deve ser provada acima de qualquer dúvida razoável (proof beyond a reasonable doubt), o qual foi consagrado no art. 66, item 3, do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. 2.1. Na espécie, ausente prova para além de dúvida razoável (...) (AP 676, Relator(a): ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 17/10/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-021 DIVULG 05-02-2018 PUBLIC 06-02-2018)". Cabe ressaltar que, embora existam indícios de autoria que serviram de base para lastrear a peça acusatória, tais indícios não sustentam prova suficiente a uma condenação. Em verdade, não existem nos autos elementos seguros que demonstram de forma inequívoca a prática pelo apelado do crime que lhe foi imputado. Nesta linha, impende a observância ao princípio in dubio pro reo, consectário do princípio da presunção da inocência (art. 5º, LVII, CF/88). Desta forma, com base no CPP, art. 386, V, correta a absolvição. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Não perca tempo. Cadastre-se e faça agora sua assinatura ADM Direito