TJRJ. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSOS DE APELAÇÃO. USUCAPIÃO. NULIDADE DE SENTENÇA. CARÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. JULGAMENTO DO MÉRITO IMEDIATO NA INSTÂNCIA RECURSAL. APLICAÇÃO DA TEORIA DA CAUSA MADURA. TERRAÇO. ÁREA PRIVATIVA EM CONDOMÍNIO. LAUDO PERICIAL CONCLUSIVO. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA REJEITADAS. APELO INTERPOSTO POR TERCEIRO INTERESSADO. CAUSÍDICO. PRETENSÃO DE IMPUTAÇÃO DE DUPLA SUCUMBÊNCIA AO DEMANDANTE. NÃO CABIMENTO. REFORMA DO JULGADO.
Da apelação do causídico terceiro interessado. Ao recorrer, o Dr. Francisco Antônio Fabiano Mendes sustentou que teria sido reconhecida a ilegitimidade passiva de seus clientes na sentença objurgada, e que, com isso, deve o demandante ser condenado ao pagamento de honorários advocatícios não só pela improcedência da lide, como também, adicionalmente, em razão do reconhecimento da ilegitimidade passiva de tais réus. Ocorre, porém, que, ao contrário do que tenta fazer crer o causídico recorrente, em momento algum do feito foi reconhecida a ilegitimidade passiva dos seus clientes, sendo certo que, na sentença ora hostilizada, o magistrado a quo rejeitou, expressamente, a preliminar arguida pela defesa. Ainda que assim não fosse, destaca-se ser incabível o pedido formulado pelo patrono dos réus, haja vista que, em existindo pluralidade de vencedores com procuradores diferentes, os honorários sucumbenciais arbitrados deverão ser rateados proporcionalmente, tendo em vista a aplicação, por analogia, do CPC/2015, art. 87. Portanto, sem qualquer razão o recorrente, impondo-se o desprovimento do seu recurso. Da apelação da parte autora. De plano, observa-se ter razão o demandante quando argui a nulidade da sentença, por ausência de fundamentação, uma vez que é manifesta a ofensa ao disposto no CPC, art. 479. Ocorre que, em que pese tenha sido concluído no laudo pericial de Id. 105668716 que a área em discussão trata-se de área privativa de uso exclusivo pelos ocupantes do apartamento 1.102/1.202, nenhuma consideração teceu o magistrado a quo sobre o laudo, o que evidencia a ausência de fundamentação na sentença (CF/88, art. 93, IX). In casu, o julgado recorrido não foi devidamente fundamentado, podendo ser incluído na hipótese do, IV («não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador»). As principais alegações formuladas pelo recorrente, capazes de infirmar a conclusão do julgado, assim como as considerações e conclusão do laudo pericial produzido nos autos, não foram minimamente apreciadas, o que impõe a anulação do decisum por ausência de fundamentação. Contudo, o CPC prevê expressamente a possibilidade de julgamento imediato da causa pela instância recursal, quando a demanda estiver madura, nos termos do seu art. 1.013, §§ 3º e 4º. Trata-se de exceção ao princípio do duplo grau de jurisdição, pois, nessas hipóteses, os pedidos serão analisados diretamente pela instância recursal. Consagra-se, por outro lado, os princípios da celeridade e eficiência processual. No caso, o feito se encontra maduro para julgamento diretamente por esta instância revisora. Colhe-se dos autos que o autor pleiteia o reconhecimento da sua propriedade, por usucapião, sobre terraço que, segundo defende, constitui área privativa de seu imóvel, por sua vez, localizado no Condomínio do Edifício Windsor. Colaciona inúmeras provas do alegado, dentre elas, a escritura de constituição do condomínio que prevê que o terraço em questão é área privativa da unidade; conversas travadas entre o autor e a vendedora do imóvel, intermediadas pelas corretoras responsáveis pela venda da unidade, em que afirmado que o espaço não seria área comum do condomínio; as plantas do projeto aprovadas na prefeitura; o habite-se do edifício, no qual é mencionado ser um triplex o seu apartamento; dentre outras. A defesa arguiu preliminares (ilegitimidade ativa e ilegitimidade passiva) e, no mérito, sustentou que haveria mera permissão de uso do terraço pelo condômino autor, bem como que a área usucapienda, em sendo bem condominial, seria insuscetível de ser usucapida. Quanto à arguida ilegitimidade ativa, tem lugar o disposto no art. 1.368-B «A alienação fiduciária em garantia de bem móvel ou imóvel confere direito real de aquisição ao fiduciante, seu cessionário ou sucessor". Assim, o devedor fiduciário é parte legítima para o ajuizamento de ação de usucapião sobre área que não afete a garantia instituída, uma vez que possui a titularidade do direito real que lhe assegura o exercício da posse direta sobre o imóvel objeto da lide. Outrossim, como alhures consignado, não há que se falar em ilegitimidade passiva dos confinantes do imóvel, porquanto a Lei Processual em vigor determina a sua citação para responder à lide, podendo ser dispensada a citação pessoal, caso o objeto do pedido seja unidade autônoma de prédio em condomínio, dispensa essa que não foi do interesse do demandante. No mérito, com razão o autor. O laudo pericial produzido nos autos é conclusivo no sentido de que o terraço em discussão é área privativa do apartamento do demandante, somente podendo ser acessado por dentro de seu imóvel, desde a sua construção, em 1944. Ou seja, por mais de 80 anos o terraço foi acessado exclusivamente por quem ocupasse o apartamento 1.102/1.202. Ressalta-se, também, que na promessa de cessão de direitos hereditários firmada entre o autor e a vendedora do imóvel consta o acesso exclusivo ao terraço aqui em discussão. A escritura de constituição do condomínio, por sua vez, também é clara ao afirmar que o terraço em questão é área privativa do apartamento do autor. Para mais além, as plantas baixas dos apartamentos também confirmam a narrativa autoral, porquanto, delas, é possível extrair que, desde a construção do prédio a escada interna do apartamento duplex 1.102/1.202 é o único meio de acesso ao terraço que se pretende usucapir. Ademais, em demanda demolitória anterior (processo 0130914-77.2005.8.19.0001), movida pelo Condomínio apelado em face do antigo proprietário do imóvel vizinho - ap. 1.101/1.201, o qual, por sua vez, tem direito à outra metade do referido terraço, esse tribunal firmou o entendimento no sentido de que o espaço em questão é área privativa desses imóveis (ap. 1.101/1.201 e ap. 1.102/1.202). E, não em outro sentido, o «habite-se» expedido para o Condomínio do Edifício Windsor prevê serem os referidos apartamentos «triplex», uma vez que considera o terraço como parte integrante dos imóvéis, sob a denominação de «dependências na cobertura". Em consideração a tais provas, bem como ao depoimento prestado pelas corretoras que intermediaram a venda do apartamento ao autor, o depoimento prestado pela antiga proprietária do bem - sobre não agir com «ânimo de dona» do espaço - não convence, mormente se considerado que ela mantém longa relação de amizade com outros condôminos, em consequência do longo tempo em que o imóvel ficou sob propriedade de membros da sua família (desde 1967). Ademais, em seu depoimento, a antiga proprietária do imóvel deixou claro que a manutenção do terraço «era por sua conta», e que, na década de 80, sua mãe teria defendido a posse do espaço, em ocasião na qual o condomínio tentou transformá-lo em um salão de festas. Não bastasse isso, resta claro das tratativas realizadas previamente ao negócio jurídico entabulado entre ela e o autor que o terraço fez parte do preço do imóvel e que a possibilidade de realização de obras futuras nele foi condição para a sua concretização. Assim, revela-se contraditório e tendencioso o depoimento prestado, devendo ser desconsiderado para fins de estabelecer-se a natureza da área em discussão nesses autos, se privativa do apartamento do autor ou comum do condomínio. No caso dos autos, resta claro que o demandante logrou comprovar tratar-se o terraço localizado na parte superior de seu apartamento área privativa desse, dado o acesso exclusivo pela parte interna do imóvel, cuja posse deve-se somar à de todos os outros proprietários do referido bem, desde a sua construção, nos termos do que dispõe o art. 1.243 do CC. Oportuno endossar que a propriedade é um direito complexo, que se instrumentaliza através do domínio, possibilitando ao seu titular o exercício de um feixe de atributos, consubstanciados nas faculdades de usar, gozar, dispor e reivindicar a coisa que lhe serve de objeto (CCB, art. 1228). Por outro turno, aquele que exerce a posse de um bem com animus domini, poderá perseguir o reconhecimento da usucapião. Modo originário de aquisição de propriedade e de outros direitos reais, a usucapião decorre da posse prolongada da coisa, acrescida de demais requisitos legais. É o caso dos autos. Do conjunto probatório formado nos autos, confirma-se a posse do autor e de seus antecessores sobre 1/2 do terraço do Condomínio Windsor, localizado imediatamente acima de seu apartamento, desde a sua construção em 1944, transcorrendo o prazo de prescrição aquisitiva extraordinária. Portanto, deve ser reconhecida a usucapião sobre o espaço em discussão nos autos. Preliminares de ilegitimidade ativa e passiva rejeitadas. Recurso do terceiro interessado desprovido. Recurso do autor provido. Sentença anulada. Julgado procedente o pedido, em julgamento de mérito.
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