TJRJ. APELAÇÃO. RELAÇÃO DE CONSUMO. AÇÃO ORDINÁRIA. REVISIONAL DE CONTRATO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. ALEGAÇÃO DE PRÁTICA DE ANATOCISMO E TAXA DE JUROS ACIMA DA MÉDIA DE MERCADO. CAPITALIZAÇÃO MENSAL PREVISTA CONTRATUALMENTE. UTILIZAÇÃO DA TABELA PRICE QUE, POR SI SÓ, É INSUFICIENTE PARA DEMONSTRAR A ILEGALIDADE DA CAPITALIZAÇÃO DE JUROS QUESTIONADA. TAXA DE JUROS APLICADA ABAIXO DA MÉDIA DE MERCADO, DE ACORDO COM OS PARÂMETROS ESTABELECIDOS PELO BACEN, CONSOANTE CONCLUSÃO DO LAUDO PERICIAL. MANUTENÇÃO DO JULGADO.
Cinge-se a controvérsia dos autos sobre a taxa de juros aplicada ao contrato firmado pela parte autora junto à instituição financeira ré, bem como eventual prática ilegal de anatocismo e o método de amortização da dívida. Impugnação à gratuidade de justiça concedida à parte autora. A princípio, basta a simples declaração de hipossuficiência financeira assinada pelo postulante da gratuidade judiciária para que o benefício lhe seja concedido. Contudo, cediço é que a presunção de hipossuficiência oriunda dessa declaração é relativa, admitindo, portanto, prova em contrário. In casu, considerando os documentos juntados na instância de origem, o magistrado a quo entendeu por deferir a gratuidade de justiça pleiteada pela parte autora. Sob esse espectro, o réu, ao questionar a gratuidade de justiça concedida ao autor, atraiu para si o ônus da prova acerca da inexistência dos requisitos essenciais à concessão do benefício à parte contrária. Ora, certo é que, sobrevindo impugnação à concessão do benefício aqui guerreado, a pretendida revogação deve ser fundada em prova da suficiência financeira da parte impugnada para arcar com os ônus decorrentes do processo, o que aqui não se vislumbra. Fato é que as provas carreadas pelo réu não provam, concretamente, que a atual situação financeira do autor o possibilita arcar com as despesas processuais sem pôr em risco sua subsistência. Considerando, portanto, a ausência de quaisquer provas robustas quanto à alegada capacidade econômico-financeira do recorrente, impõe-se a manutenção da assistência judiciária gratuidade deferida pelo julgador na origem. Mérito. A hipótese versa sobre relação de consumo, impondo-se, portanto, ao fornecedor de serviços a responsabilidade civil objetiva, estando o consumidor desonerado do ônus de provar a culpa do réu no evento danoso, uma vez que, o §2º do CDC, art. 3º expressamente incluiu a atividade bancária no conceito de serviço. Sob esse prisma, em homenagem ao princípio da boa-fé, calcado no dever de lealdade, os bancos devem manter as suas taxas dentro da média do mercado. Observo que um dos fundamentos da pretensão autoral é a cobrança de juros acima da média de mercado, o que por si só não constitui qualquer ilegalidade a gerar a revisão do contrato. Nesta esteira, frisa-se que, ao verificar-se o site do BACEN, nota-se que a taxa praticada pelo réu no contrato da autora (2,09 % a.m) se localiza dentro da curva de mercado, sendo, aliás, uma das menores taxas praticadas naquela ocasião. Perceba-se que o STJ (no julgamento do REsp. Acórdão/STJ submetido ao rito dos recursos repetitivos), sedimentou entendimento pela possibilidade de revisão do percentual pactuado, «desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto". Para isso, importante que se consigne, a discrepância anormal da taxa de juros pactuada com a média do mercado só se verificará quando o valor ajustado for muito superior ao praticado pelas demais instituições financeiras no período, na mesma modalidade negocial, pelo que claramente se obteria a desarmonia que determinaria a abusividade condenável. Na hipótese vertente, a taxa aplicada pela instituição financeira ré não supera uma vez e meia a taxa média de mercado (consoante parâmetro consignado na jurisprudência da Corte Especial), não havendo que se falar, portanto, em abusividade na sua fixação. Ademais, em que pese ser cediço que as instituições financeiras não se submetem ao percentual de juros estabelecidos pela Lei de Usura, conforme a Súmula 596/STF («As disposições do Decreto22626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas que integram o sistema financeiro nacional»), os juros das instituições bancárias são os do mercado, observando-se os limites estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional e pelo BACEN, o que permite a apreciação feita acerca da inexistência de abusividade na taxa aplicada. Para mais além, realizada prova pericial contábil, a expert do juízo concluiu seu trabalho esclarecendo que a taxa de juros praticada no contrato é inferior à taxa média de mercado para aquele momento e para aquele tipo de contratação. Ainda sobre o ponto, consigna-se tratar-se de indevida inovação recursal o argumento lançado no sentido da suposta limitação de taxa de juros para empréstimos consignados firmados com aposentados pelo INSS. Dessa forma, deixo de conhecer da matéria. Quanto à capitalização mensal de juros, basta um olhar superficial na cédula de crédito bancário juntada pelo autor para se notar que a taxa mensal é de 2,09% a.m e a anual é 28.17% a.a, ou seja, maior que o duodécuplo da taxa mensal. Neste diapasão, observa-se que o contrato prevê a capitalização mensal de juros, e disso não restam dúvidas. Entretanto, quanto à legitimidade desta prática, certo é que essa questão foi incluída na categoria de Recurso Repetitivo por conter fundamento em idêntica questão de direito com o Recurso Especial Representativo 1.112.879/PR. Conforme decidido pelo E. STJ, nos contratos de mútuo bancário celebrados após a MP . 1.963-17/00, é possível a cobrança de juros capitalizados mensalmente, desde que expressamente pactuada, sendo inaplicável ao caso o disposto na Súmula 121/STF. In casu, a celebração do contrato deu-se em momento posterior à edição da MP . 1.963-17/00, bem como há no contrato previsão expressa quanto à capitalização mensal de juros, na medida em que a taxa de juros anual é superior ao duodécuplo da taxa mensal. Portanto, não há que se falar na ilicitude da periocidade da capitalização de juros prevista no contrato, que se amolda perfeitamente ao entendimento constante no recurso repetitivo julgado pelo STJ. Outrossim, em que pese afirme na exordial que o pacto teria sido realizado por telefone e que a assinatura constante da cédula de crédito bancário seria falsa, deve ser considerado que a própria parte autora apresentou o documento em juízo e dele se utilizou para fundamentar os pedidos formulados nesta lide, realizando cálculos com base do que nele consta, bem como concordou com o laudo pericial sobre ele produzido. Porém, ainda que assim não fosse, ressalta-se que, nos termos do que dispõe a Súmula 530/STJ, ventilada pelo recorrente, as disposições contratuais são mais benéficas ao consumidor quando em cotejo a taxa de juros praticada com a média de mercado, em razão do que esse deve prevalecer. Aqui, vale observar que, inobstante a expert do juízo tenha encontrado uma sutil diferença entre o valor da taxa de juros pactuada e aquela efetivamente cobrada do consumidor no laudo pericial apresentado no feito, restou esclarecido pela parte ré que a profissional não teria considerado os primeiros trinta dias do contrato, sobre o qual incidem juros, o que provocou a diferença encontrada. Tal fato foi alvo de impugnação pelo recorrido, não as tendo refutado a perita quando instada a prestar os devidos esclarecimentos. Quanto ao sistema de amortização do débito, o autor sustenta que o contrato faz uso da Tabela Price, método que capitaliza os juros de forma composta, e que isso seria muito oneroso para o consumidor. Sobre o tema, importante que se rememore ser o sistema de amortização de débito pela conhecida Tabela Price, um método consistente, estável, largamente utilizado em contratos bancários e de financiamentos, e de prévio conhecimento do contratante. Certamente, a capitalização dos juros que provém da aplicação do referido método sobre o contrato não deve ser confundida com um ilícito anatocismo, até porque, o sistema, que proporciona a incidência de parcelas fixas, incluindo juros e amortização do valor principal, durante todo o contrato, proporciona estabilidade ao devedor, não afrontando, por qualquer ângulo que se observe, a legislação vigente. Ademais, basta uma simples leitura do contrato firmado entre as partes para a certeza de que a parte autora teve ciência do valor de cada parcela a ser paga mensalmente, de sorte que era plenamente possível a compreensão da capitalização pelo método de juros compostos, ao cotejar-se os valores das taxas atreladas ao pagamento mensal com o montante final devido. À toda evidência, a pretensão do apelante de substituir um método de amortização da dívida por outro, que lhe pareça mais vantajoso, viola a boa-fé objetiva que deve estar presente nas relações negociais. Logo, em que pese os esforços argumentativos do apelante, não há ilegalidade na aplicação do método de cálculo pela Tabela Price no contrato ora analisado. E, em que pese a decretada revelia da parte ré, não se olvide que os efeitos dela decorrentes não são absolutos e sim relativos (CPC, art. 344 e seguintes). Evidentemente, não está o julgador vinculado de forma inflexível à versão apresentada na inicial, pelo simples fato de a parte ré ser revel. Em outras palavras, o reconhecimento da revelia do réu não conduz à presunção absoluta de veracidade dos fatos alegados pela parte autora, a qual não se desincumbe de comprovar os fatos constitutivos de seu direito, na forma prescrita pelo art. 373, I do CPC. Portanto, considerado que o autor não logrou comprovar o direito vindicado na exordial, bem como o fato de que as provas carreadas ao feito não corroboram suas alegações, a aplicação dos efeitos da revelia decretada em face da parte ré não possui o condão de alterar o resultado do julgado a seu favor. Recurso conhecido e desprovido.
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