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DOC. 323.1569.9514.8010

TJRJ. APELAÇÕES CRIMINAIS. RECEPTAÇÃO. CP, art. 180, CAPUT. RECURSO MINISTERIAL, DESEJANDO A REFORMA DO JULGADO PARA QUE AMBOS OS APELADOS SEJAM CONDENADOS PELA RECEPTAÇÃO, BEM COMO PELO ROUBO CIRCUNSTANCIADO PELO CONCURSO DE AGENTES, NOS MOLDES DA DENÚNCIA. RECURSO DEFENSIVO DESEJANDO A ABSOLVIÇÃO DE PABLO, AO ARGUMENTO DA PRECARIEDADE PROBATÓRIA, INCLUIVE COM DEFICIÊNCIA NO RECONHECIMENTO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO PENAL DA RECEPTAÇÃO. SUBSIDIARIAMENTE, DESEJA A DESCLASSIFICAÇÃO PARA A MODALIDADE CULPOSA.

Segundo consta dos autos, no dia 16 de novembro de 2022, por volta das 20h00min, na Rua João Agapito, bairro Rocha, São Gonçalo, policiais militares estavam em serviço de patrulhamento quando avistaram BRUNO na direção e PABLO na garupa da motocicleta que tinham acabado de estacionar, uma Honda CG, sem placa, chassi 9c2kc15209r022984. Estavam prestes a entrar no quintal da residência de BRUNO, porém, a guarnição os abordou e verificou que o motor da motocicleta estava raspado, bem como perceberam que BRUNO jogou algo no canto do muro. Os agentes da lei procuraram e encontraram um aparelho celular e um cartão bancário em nome de Mariana Gomes. Indagados, afirmaram ter achado o aparelho celular na rua minutos antes da abordagem. Nesse ínterim o telefone tocou, e ao ser atendido por um dos policiais, uma mulher se identificou pelo nome de Mariana Gomes, afirmando que acabara de ser roubada por dois homens com as mesmas características dos averiguados, afirmando que a teriam abordado usando uma motocicleta sem placa, ocasião em que anunciaram o assalto dizendo «Perdeu, perdeu! Passa o celular!". Mediante a recusa da interpelada, PABLO desembarcou da motocicleta, deu-lhe um chute, derrubou-a no chão e arrancou o celular de sua mão, além de um cartão de crédito, evadindo em seguida. Os recursos interpostos são recíprocos, evidenciando relação de prejudicialidade entre eles, merecendo, portanto, análise e decisão unificada. No que concerne a um eventual defeito no reconhecimento efetuado pela lesada, constata-se a partir dos elementos de prova coligidos estarmos diante de verdadeiro «distinguishing» em relação ao paradigma jurisprudencial que representa o novo posicionamento do E.STJ. Além disso, o reconhecimento da lesada não constitui o único elemento determinante da autoria, uma vez que os roubadores foram detidos em estado flagrancial, ainda na posse do cartão e do celular subtraídos minutos antes da vítima, que ligou para o seu telefone, o qual foi atendido por um dos policiais da prisão. Conforme declarado pela vítima em sede policial, ID 36518038, na ocasião do telefonema ela descreveu para o policial que atendeu seu telefone o tipo físico dos meliantes, e ainda acrescentou que estariam a bordo de uma motocicleta sem placa de identificação. Os policiais, então, pediram que a lesada fosse até a DP, para poder reconhecer os seus roubadores e lá, na Delegacia, a vítima os reconheceu, o que fora presenciado, inclusive, por um dos policiais da prisão. Oportuno realçar que, «nos crimes contra o patrimônio, geralmente praticados na clandestinidade, tal como ocorrido nesta hipótese, a palavra da vítima assume especial relevância, notadamente quando narra com riqueza de detalhes como ocorreu o delito, tudo de forma bastante coerente, coesa e sem contradições, máxime quando corroborado pelos demais elementos probatórios, quais sejam o reconhecimento feito pela vítima na Delegacia e os depoimentos das testemunhas colhidos em Juízo". (AgRg no AREsp. 4Acórdão/STJ, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 09/03/2017, DJe 17/03/2017). Logo, não se trata de um reconhecimento a partir de um álbum fotográfico dos acervos da Delegacia e realizado muito após o evento delitivo, onde os efeitos do tempo transcorrido poderiam comprometer a memória daquele que faz a identificação. Ainda que a lesada não tenha comparecido em Juízo para ratificar suas afirmações da sede administrativa, eis que a prova material, a dinâmica da abordagem, o telefonema efetuado pela vítima e os testemunhos policiais deixam indene de dúvida o ocorrido, determinando a sua autoria, até mesmo porque não há nos autos qualquer elemento que indique o desejo consciente de Mariana em prejudicar de alguma forma os imputados. Nesse diapasão, evidencia-se totalmente procedente o pleito ministerial para que sejam condenados pelo roubo circunstanciado pelo concurso de agentes, na forma como proposta na exordial. No que concerne ao delito de receptação, incialmente deve ser consignado que a ninguém é permitido apresentar escusas com fulcro no desconhecimento da lei, mormente porque ilícita a posse ou condução de veículo automotor sem a necessária documentação ou de alguma forma adulterado o veículo em suas características de identificação, como consubstanciado no caso concreto pela ausência de placa e do motor com numeração raspada. No delito de receptação, a prova da ciência da origem ilícita do bem pode ser alcançada de forma indireta, de acordo com indícios, circunstâncias, bem como pela inexistência de justificativas plausíveis para a posse do bem de origem ilícita. Cumpre salientar que a jurisprudência do E. STJ se firmou no sentido que, «no crime de receptação, se o bem houver sido apreendido em poder do paciente, caberia à defesa apresentar prova da origem lícita do bem ou de sua conduta culposa, nos termos do disposto no CPP, art. 156, sem que se possa falar em inversão do ônus da prova.» (HC 626.539/RJ, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, DJe 12/02/2021). Os relatos dos policiais que realizaram a diligência foram firmes e harmônicos entre si, formando um arcabouço probatório seguro, que não pode ser desprezado. A jurisprudência é no sentido de que «o depoimento dos policiais prestado em juízo constitui meio de prova idôneo a resultar na condenação do paciente, notadamente quando ausente qualquer dúvida sobre a imparcialidade das testemunhas, cabendo à defesa o ônus de demonstrar a imprestabilidade da prova, fato que não ocorreu no presente caso.» (HC 165.561/AM, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 15/02/2016). Idêntico é o posicionamento adotado por este Tribunal de Justiça, explicitado no verbete sumular 70. Conhecidos os fatos, o recurso ministerial deve ser integralmente provido, para que PABLO HENRIQUE MAGALHÃES ESPINDOLA e BRUNO LEONARDO MARTINS FERREIRA JÚNIOR sejam condenados pela prática das condutas previstas no art. 157, § 2º, II e art. 180, caput, na forma do art. 69, todos do CP, restando como consequência lógica e jurídica o indeferimento do recurso defensivo. Dosimetria. Do crime de roubo. Ambos são tecnicamente primários e não se verificam presentes outras circunstâncias desfavoráveis. Pena base no piso da lei, 04 anos de reclusão e 10 DM, onde vai à intermediária, ausentes atenuantes ou agravantes. Por fim, o terço legal pelo concurso de agentes e a sanção se aquieta para ambos em 05 anos e 04 meses de reclusão e 13 dias-multa. No delito de receptação, tecnicamente primários e não se verificam presentes outras circunstâncias desfavoráveis. Pena base no piso da lei, 01 ano de reclusão e 10 DM, onde se aquieta para ambos a reprimenda. Concurso material de tipos penais e a sanção para cada qual dos condenados será de 06 (seis) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 23 (vinte e três) DM. O regime aplicado será o semiaberto, suficiente à consecução dos objetivos da resposta penal, inclusive aquele de índole pedagógica com vistas à ressocialização dos penitentes. Corolário lógico jurídico da condenação é a inaplicabilidade da substituição do art. 44, bem como do «sursis», do art. 77, ambos do CP, haja vista a superação da quantidade de pena limite à aquisição desses benefícios, restando ambos condenados, também, nas custas do processo, ex vi do CPP, art. 804. Nos termos do art. 23, da Resolução 474, do E.CNJ, a partir do trânsito em julgado da presente decisão os condenados deverão ser intimados para darem início à execução. RECURSOS CONHECIDOS. PROVIDO O MINISTERIAL E DESPROVIDO O DEFENSIVO, na forma do voto do Relator.

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