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DOC. 492.4871.5030.9179

TJRJ. APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 217-A, C/C ART. 226, II, VÁRIAS VEZES, NA FORMA DO ART. 71, TODOS DO CÓDIGO PENAL. RECURSO DEFENSIVO POSTULANDO A ABSOLVIÇÃO, EM RAZÃO DE ALEGADA INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. ALTERNATIVAMENTE, REQUER A DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO PARA O TIPIFICADO NO CP, art. 146. DE FORMA SUBSIDIÁRIA, PEDE A MITIGAÇÃO DA REPRIMENDA, FIXAÇÃO DE REGIME MENOS GRAVOSO E SUBSTITUIÇÃO POR PENAS ALTERNATIVAS.

A prova colhida no decorrer da instrução processual evidenciou que, em dias e horários que não se pode precisar, mas certamente no período compreendido entre fevereiro de 2014 e janeiro de 2021, o apelante, agindo consciente e voluntariamente, teve conjunção carnal e praticou outros atos libidinosos com a sobrinha de sua companheira, que contava inicialmente com 07 (sete) anos de idade, tendo os atos libidinosos diversos da conjunção carnal consistido em beijar a ofendida na boca, além de acariciar seu corpo. O apelante era companheiro da tia da ofendida e, por esta razão, tinha autoridade sobre ela. Consta dos autos que a ofendida costumava frequentar a residência do recorrente, eis que este era companheiro de sua tia. Assim, em diversas oportunidades em que a menor se encontrava na residência do apelante, este, aproveitando-se que se encontravam fora da esfera de vigilância de outros adultos, praticava os atos de abuso acima descritos. O fato foi descoberto apenas em dezembro de 2020, após a genitora da ofendida ler o diário da filha, onde ela narrava os abusos sexuais, ocasião em que confrontou a menor, tendo esta confirmado as práticas delitivas. Contrariamente ao que alega a defesa, a materialidade e a autoria estão plenamente comprovadas pela segura prova testemunhal produzida, colhida sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. A ofendida, por sua vez, relatou com detalhes, de forma firme e coerente, as práticas delitivas contra si, que se iniciaram quando tinha apenas 07 anos de idade. Seus relatos estão em sintonia com as demais declarações produzidas em juízo pelos informantes. Estes, embora não tenham presenciado os fatos, narraram, de modo razoável e harmônico, a forma como tomaram conhecimento dos abusos infligidos à menor. Outrossim, não obstante as declarações da ofendida acerca da incerteza da penetração, a mesma alegou que o recorrente tentara por diversas vezes penetrá-la e o laudo de exame de corpo delito de conjunção carnal e ato libidinoso diverso da conjunção carnal (índex 55/56) atestou que ela não era mais virgem. De outro talho, o fato de o laudo pericial atestar a ausência de sinais de violência ou lesões não afasta a certeza do atuar delituoso do recorrente. O delito de estupro de vulnerável se dá independentemente do emprego de violência ou ameaça, porquanto tais circunstâncias são presumidas em razão da vulnerabilidade da vítima. Precedentes nesse sentido. Ademais, atos libidinosos, consistentes em beijos e carícias, não deixam necessariamente vestígios. Importa ressaltar que, nos crimes contra a dignidade sexual, a palavra da vítima assume importância diferenciada, haja vista ser ela quem experimentou contra si e seu corpo a prática de atos voltados exclusivamente à satisfação da lascívia desmedida de outrem. Isto, mais das vezes, ocorre de maneira absolutamente silenciosa, distante de olhos alheios, perfazendo um humilhante quadro em que o ser humano é reduzido a mero objeto voltado à satisfação sexual de terceiros. Quanto à tese defensiva do caráter não hediondo do crime de estupro de vulnerável, esta se mostra absolutamente descabida, pois não se coaduna com a Lei 8.072/90, art. 1º, VI, que prevê de maneira expressa tal conduta como delito hediondo. De outro giro, a pretendida desclassificação para o crime de constrangimento ilegal (CP, art. 146) é impossível, ao esteio dos fatos e da jurisprudência do STJ, que é firme no sentido de que o crime de estupro de vulnerável se consuma com a prática de qualquer ato de libidinagem ofensivo à dignidade sexual da vítima, o que ocorreu no caso em apreço. Nesse passo, o STJ, em 01/07/2022, publicou o acórdão de mérito nos REsps 1.954.997/SC, 1.959.697/SC, 1.957.637/MG e 1.958.862/MG, paradigmas da controvérsia repetitiva descrita no Tema 1121, firmando tese no sentido de que «presente o dolo específico de satisfazer à lascívia, própria ou de terceiro, a prática de ato libidinoso com menor de 14 anos configura o crime de estupro de vulnerável (CP, art. 217-A, independentemente da ligeireza ou da superficialidade da conduta, não sendo possível a desclassificação para o delito de importunação sexual (CP, art. 215-A» (REsp. Acórdão/STJ, relator Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, julgado em 8/6/2022, DJe de 1/7/2022.) (grifo nosso). Destarte, diante do seguro arcabouço probatório produzido, há que se manter a condenação tal qual exarada na sentença. No que diz respeito à resposta penal, a pena foi corretamente dosada. Na primeira fase, em que pese o apelante ser primário e possuidor de bons antecedentes, as graves consequências psicológicas que sua conduta delituosa gerou à ofendida, que passou a se autoflagelar, infligindo ao seu próprio corpo lesões cortantes produzidas por giletes, levou o juiz sentenciante a afastar a pena-base do patamar mínimo legal, fixando-a adequadamente em 09 (nove) anos de reclusão. Na segunda fase, diante da inexistência de circunstâncias atenuantes e agravantes, o juízo manteve, de forma correta, a pena anteriormente fixada. Na terceira fase, inarredável a utilização da majorante do CP, art. 226, II, tendo em vista que, conforme a prova produzida, o apelante detinha autoridade sobre a ofendida, sendo companheiro de sua tia e tratado por ela como tio. Por fim, correta a aplicação do crime continuado em sua fração máxima, uma vez que restou demonstrado que os abusos ocorreram diversas vezes, em datas que não se pode precisar, porém compreendidas entre os anos de 2014 e 2021. Acertada a determinação do regime fechado como regime inicial de cumprimento de pena, consoante estabelece o art. 33, § 2º, «a», do CP. Incabível a substituição da pena privativa de liberdade imposta por penas restritivas de direitos uma vez que ausentes os requisitos previstos no art. 44, I do CP. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

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