902 - TJRJ. Apelação criminal defensiva. Condenação pelo crime de estupro de vulnerável, praticado duas vezes contra menor de 14 anos, em continuidade delitiva. Recurso que busca a solução absolutória, por fragilidade do conjunto probatório e, subsidiariamente, requer a aplicação da pena-base no mínimo legal, a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direito, bem como o deferimento da gratuidade de justiça. Mérito que se resolve parcialmente em favor da defesa. Materialidade e autoria inquestionáveis. Instrução que revelou, através da firme palavra da Ofendida, a prática de atos libidinosos diversificados (toques e carícias lascivas, além da exibição de sua genitália para a Vítima) praticados pelo Réu em duas oportunidades, quando a Vítima contava com 08 e 12 anos de idade. Natureza da imputação que, à luz dos seus específicos contornos fáticos, se classifica como daquelas que não costumam deixar vestígios, considerando que a prática libidinosa se posta no átrio do simples contato sexual, independentemente de quaisquer sinais exteriores aparentes, razão pela qual a prova da existência material do injusto tende a se perfazer pela análise de todo o conjunto probatório (Mirabete), afastando, pois, a incidência estreita do CPP, art. 158. Firme diretriz do Supremo Tribunal Federal e STJ sublinhando que, «nos crimes contra os costumes, a palavra da vítima assume preponderante importância, se coerente e em consonância com as demais provas coligidas nos autos". Palavra da Vítima estruturada e contextualizada, estando ressonante nos demais elementos de convicção. Narrativa da Ofendida enfatizando que, no primeiro episódio, «a depoente tinha 08 anos, que levou um tempo e depois só foi quando a depoente tinha 12 anos» e que, na primeira vez, «estava brincando na sala e ele foi para um quarto, foi quando ele chamou a depoente; que ele abaixou a calça dele para mostrar as coisas dele; que ele ofereceu uma nota de R$ 10,00". Na segunda vez, «ele tentava agarrar a depoente, passando a mão e abaixava parte da calça dele, obrigando a depoente a passar a mão nele". Relato da testemunhal produzida também suficiente a suportar o gravame condenatório. Réu que negou os fatos a ele imputados, apresentando justificativa não comprovada nos autos. Inexistência de qualquer contraprova produzida a cargo da defesa. Conjunto probatório hígido, apto a respaldar a solução condenatória, evidenciando-se o crime de estupro de vulnerável, o qual não admite relativização. Preceito protetivo de caráter absoluto que, tanto sob a égide da lei anterior, quanto pela incriminação hoje vigente, se posta «como instrumento legal de proteção à liberdade sexual da menor de quatorze anos, em face de sua incapacidade volitiva» (STJ), «sendo irrelevantes, para tipificação do delito, o consentimento ou a compleição física da vítima» (STF). Fato concreto que, assim, reúne todos os elementos do CP, art. 217-A Majorante prevista no CP, art. 226, II corretamente reconhecida, tendo em vista que o Réu, ao tempo dos fatos, era companheiro da tia da Vítima e, portanto, exercia autoridade sobre ela. Continuidade delitiva que se mantém, na forma do CP, art. 71. Juízos de condenação e tipicidade ratificados (art. 217-A c/c art. 226, II, na forma do art. 71, todos do CP). Dosimetria que tende a ensejar reparo. Referências indiretas às consequências psíquico-sociais do fato criminoso que só tendem a merecer valoração negativa, para efeito de reprovabilidade diferenciada do CP, art. 59, se vierem a expor um trauma de dimensões extraordinárias e incomuns frente aos limites inerentes ao tipo. Vedação de se considerar, na aferição da pena-base, circunstâncias abstratas ou já consideradas pelo legislador por ocasião da formulação do tipo (STJ). Idade da vítima que já foi sopesada pelo legislador na tipificação do CP, art. 217-A Atração da pena-base ao mínimo legal que se impõe. Manutenção do aumento de 1/2, por força do CP, art. 226, II, seguida do acréscimo final de 1/6 pela continuidade delitiva, considerando os dois episódios de abuso relatados pela Vítima, ciente de que o número de crimes deve ser usado como critério quantificador (STJ). Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito que se mostra inviável (CP, art. 44, I). Regime prisional fechado aplicado, o qual se revela «obrigatório ao réu condenado à pena superior a oito anos de reclusão. Inteligência dos arts. 59 e 33, § 2º, do CP» (STJ). Pleito de isenção das custas processuais que se mostra inviável, por se tratar de questão a ser resolvida no processo de execução (Súmula 74/TJERJ). Tema relacionado à execução provisória das penas que, pelas diretrizes da jurisprudência vinculativa do STF (ADCs 43, 44 e 54), não viabiliza a sua deflagração a cargo deste Tribunal de Justiça. Acusado que se encontra solto e assim deve permanecer, dada a desnecessidade de imposição imediata da custódia preventiva, devendo, ao trânsito em julgado, ser expedido mandado de prisão para início do cumprimento da pena, a cargo do juízo de primeiro grau, vez que imposto o regime prisional fechado, inteiramente compatível com a segregação (STJ). Parcial provimento do recurso defensivo, a fim de redimensionar a sanção final para 14 (quatorze) anos de reclusão.
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