628 - TJRJ. Apelação. Ação de busca e apreensão. Financiamento. Aquisição de veículo. Garantia de alienação fiduciária. Inadimplência reconhecida. Cédula de crédito bancário. Original. Capitalização diária de juros. Reconvenção. Taxas. Revisão contratual.
Recurso interposto pelo consumidor contra a sentença que julgou procedente o pedido para consolidar em mãos do autor a propriedade e posse do bem dado em garantia, tornando definitiva a liminar concedida, e improcedente o pedido reconvencional, condenando o réu-reconvinte ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, estes que fixou em 10% do valor da causa. Em seu inconformismo, o apelante argui efeitos da não apresentação da via original da cédula de crédito, o que implicaria na consequente extinção do feito sem resolução do mérito, na sequência asseverando a abusividade na capitalização diária de juros em virtude da ausência de indicação expressa da taxa de juros diária, o que não se confunde com a previsão notoriamente autorizada sobre a capitalização mensal e que em virtude da indevida capitalização diária de juros, em desrespeito aos arts. 6º e 52, II do CDC, resta descaracterizada a mora, isso também implicando na consequente extinção do feito sem resolução do mérito. Aduz que, em razão da indevida capitalização diária de juros, deve ocorrer a revisão contratual, como requer, para afastamento da sua cobrança, devendo ser afastadas também as cláusulas contratuais que preveem as tarifas abusivas: de Cadastro, em patamar elevado, e de seguro, constituindo venda casada. De se ressaltar que aqui se cuida da aquisição de veículo por meio de contrato de mútuo garantido por alienação fiduciária, da inadimplência do fiduciante, da busca e apreensão do bem e da sentença de procedência do pedido. É possível a discussão sobre a legalidade de cláusulas contratuais como matéria de defesa na ação de busca e apreensão decorrente de alienação fiduciária, mas, igualmente, tem-se que a discussão das cláusulas contratuais, mesmo em ação de revisão, não impede o prosseguimento da demanda de busca e apreensão, nem descaracteriza a mora do devedor. Tem-se que, com efeito, o conjunto probatório comprovou a inadimplência do apelante e decorre a incidência dos §§ 1º e 3º do art. 2º do Decreta Lei 911/69, os quais estabelecem que nos casos de mora, o credor pode cobrar além do valor principal os encargos previstos no contrato, bem como considerar vencidas todas as obrigações contratuais. No caso, além da aplicação dos dispositivos contratuais e legais incidentes, o apelante não efetuou o depósito das parcelas vencidas e vincendas no processo, isso implicando na consolidação da posse e da propriedade do bem alienado fiduciariamente. Correta a rejeição das preliminares arguidas pelas partes. A começar pela inépcia da inicial por ausência de juntada da via original da cédula de crédito bancário, uma vez que em se tratando de processo eletrônico não há juntada de documentos originais, mas de documentos digitalizados. Segundo a jurisprudência do STJ, a juntada da cédula pode ser relativizada se for comprovado que o título não circulou e não há dúvida quanto à sua existência (AgInt no REsp: 2053529 GO - Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, Julgamento: 23/10/2023). O mesmo relativamente à alegada inépcia da reconvenção, bem decidindo o ilustre magistrado que «... não há que se falar em depósito prévio como condição de procedibilidade da reconvenção em ação de busca e apreensão". No mérito, também não assiste razão ao apelante. Vale destacar que a prova pericial não se revela imprescindível a` solução do litígio, haja vista que o juiz é o destinatário imediato das provas, sendo-lhe facultado deferir, ou mesmo providenciar, por iniciativa própria, somente aquelas que entender necessárias para a formação do seu livre convencimento, conforme se depreende do CPC, art. 370. No caso em tela, constata-se que a matéria constante dos autos é exclusivamente de direito, sendo, portanto, desnecessária a produção de qualquer outra prova além das constantes nos autos. Vislumbra-se, ademais, que as questões levantadas pelo consumidor se revelaram meramente argumentativas, uma vez que a sua inadimplência foi por ele admitida. Sendo desnecessária a produção de prova pericial no caso em análise, não há que se cogitar a nulidade da sentença recorrida. Continuando, impõe-se consignar que em sua reconvenção o réu-reconvinte questionou a tarifa de cadastro e o seguro, mas, se limitou à impugnação das cláusulas contratuais que as preveem. A tarifa de cadastro não é proibida, nem comprovou o apelante que tenha havido excesso de cobrança em comparação com os valores praticados pelo mercado. Aliás, por amor ao argumento, também não restou demonstrada abusividade na cobrança de tarifa de registro de contrato, tampouco a inocorrência da efetiva prestação do serviço. Vale destacar ainda que só ocorre ilicitude da cobrança de seguro prestamista se do contrato de financiamento não se vislumbra que à autora tenha sido oportunizado o direito de optar pela seguradora de sua preferência. Hipótese em que se presume a chamada «venda casada". De se observar o Tema 972 do STJ. Uma vez ocorrida a nulidade da contratação do seguro, por não existente a liberdade do consumidor, isso implicaria na necessidade de se impor à Instituição financeira a restituição, na forma simples, ou o abatimento no saldo devedor, caso tenha sido apurado ou venha a ser futuramente. O fato é que, mesmo «A abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora". Por fim, assinala o apelante que o contrato não traz em seu bojo a informação da taxa diária de juros, embora a admita como admissível, o que violaria o dever de informação previsto no art. 6º, III CDC, ou seja, apenas a indicação contratual da taxa mensal e anual de juros, quando há previsão de capitalização diária, não é su?ciente para informar o consumidor acerca da forma como a dívida irá evoluir, suprimindo o seu direito de informação, além de obstar a possibilidade de fazer a equivalência entre a taxa diária, e as taxas efetivas mensais e anuais. Com efeito, o STJ, no julgamento do REsp. Acórdão/STJ, pontuou que «a capitalização diária de juros remuneratórios, com é intuitivo, pode constituir um fator de incremento da dívida, medida em que os juros são incorporados ao capital dia a dia, ?cando sujeitos a nova incidência de juros nos dias seguintes". Contra argumenta o apelado reconhecendo que, de fato, o contrato prevê a possibilidade de capitalização diária de juros, em consonância com a Lei 10.931/2004, art. 28 e o entendimento pacificado na 2ª Seção do STJ: No AgInt no REsp. Acórdão/STJ, entendeu-se pela possibilidade da cobrança de juros capitalizados diariamente. De fato, «Insuficiência da informação acerca das taxas efetivas mensal e anual, na hipótese em que pactuada capitalização diária, sendo imprescindível, também, informação acerca da taxa diária de juros, a fim de se garantir ao consumidor a possibilidade de controle a priori do alcance dos encargos do contrato» (REsp. Acórdão/STJ). No entanto, o que prevalece é o fato de que diante da comprovação do inadimplemento das prestações avençadas e da notificação do devedor, que não purgou a mora, configurado restou o esbulho possessório a justificar a concessão de liminar de busca, o que ocorreu, e apreensão e a procedência da ação. Afinal, restou incontroverso que as partes, livremente, entabularam contrato de financiamento com cláusula de alienação fiduciária, devendo, desse modo, se submeterem àquilo que pactuaram. Os documentos que instruem a inicial comprovam que as partes firmaram contrato de financiamento de veículos e alienação fiduciária, bem como veio a ser demonstrada a regular constituição do devedor em mora, com observância das formalidades previstas no Decreto-lei 911/69. A regra prevalecente é no sentido de que a caracterização da relação de consumo não isenta o consumidor de apresentar prova (ainda que sumária) acerca dos fatos alegados. Decerto que, a despeito da aplicação das normas protetivas da lei consumerista, os argumentos aqui deduzidos não se sustentam, haja vista que a alegada abusividade da contratação quanto à capitalização diária de juros sem expressa indicação da taxa correlata a ser aplicada não pode prosperar, até por inviável. Competia ao consumidor apontar qual seria a taxa correspondente para demonstrar a verossimilhança de suas alegações, posto que, sem apontar a taxa correlata, não pode o devedor fiduciário querer se valer dos julgamentos do STJ no sentido de que o simples reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos descaracteriza a mora. Como visto acima, o próprio STJ descarta a hipótese. O apelante não nega, jamais negou o débito, e isso torna certa a inadimplência das prestações reclamadas, o que resulta no vencimento antecipado e a caracterização da mora, dando ensejo ao ajuizamento da ação de busca e apreensão. Por fim, observa-se que restou corretamente consolidada a propriedade e posse plena do veículo em favor do credor fiduciário, não havendo motivação suficiente para reforma da sentença hostilizada. Precedentes específicos deste Tribunal de Justiça. Sentença que não merece reparos. Recurso a que se nega provimento.
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