698 - TJRJ. Apelação Cível. Ação Civil Pública, por meio da qual o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro objetivou o reconhecimento da prática de atos de improbidade administrativa por parte dos réus, com a aplicação das respectivas sanções, e a condenação destes a ressarcirem os prejuízos causados ao erário, no importe de R$ 85.651,13 (oitenta e cinco mil seiscentos e cinquenta e um reais e treze centavos), ao argumento, em síntese, de que o primeiro demandado foi nomeado pelo segundo, que à época era o prefeito do Município de Macaé, para o cargo de assessor intermediário em seu gabinete, mas que aquele jamais exerceu as suas respectivas funções, apesar de ser regularmente remunerado pelos cofres públicos. Sentença de procedência parcial do pedido. Inconformismo dos réus. Supremo Tribunal Federal que tratou da incidência retroativa, ou não, dos efeitos da Lei 14.230, de 25 de outubro de 2021, no julgamento do Tema 1.199, fixando a seguinte tese de repercussão geral: «1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos arts. 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude da CF/88, art. 5º, XXXVI, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei". Logo, não se afigura possível, in casu, o reconhecimento da prescrição intercorrente, com fundamento no art. 23, caput, §§ 4º, I e II, e §§ 5º e 8º da Lei de Improbidade Administrativa, pois entre a publicação da Lei 14.230/21, em 26 de outubro de 2021, e a prolação da decisão atacada, em 27 de fevereiro de 2024, decorreram pouco mais de 02 (dois) anos, menos da metade do prazo de 08 (oito) anos, impondo-se a rejeição da prejudicial. No que se refere à alegação de que o primeiro réu não foi advertido acerca do seu direito de ser assistido por advogado e de permanecer em silêncio por ocasião de sua oitiva em sede de inquérito civil, o que invalidaria o depoimento por ele prestado, utilizado como prova, tem-se que o depoente não impugnou a validade do termo de declarações acostado aos autos, tampouco negou a veracidade dos dados nele contidos, de forma que não há que se falar em nulidade, diante da ausência de prejuízo. Tese de nulidade da sentença, pela não apresentação das folhas de ponto do primeiro réu pelo Município de Macaé, que se rejeita, pois não incide no caso a hipótese descrita no art. 17, § 10-F, II, da Lei 8.429, de 2 de junho de 1992, com as alterações introduzidas pela Lei 14.230/21, haja vista que não se trata de indeferimento das provas especificadas pelos demandados, e sim da impossibilidade fática de se acostar a aludida documentação, eis que não localizada no acervo do ente público envolvido. Segundo recorrente que não foi condenado por tipo diverso do requerido na inicial, pois o Magistrado de primeiro grau integrou a decisão apelada, de ofício, para enquadrar a conduta atribuída àquele no disposto ao art. 10, I e XII, da Lei de Improbidade Administrativa, inexistindo afronta ao comando do art. 17, § 10-F, I, da citada lei. Alteração da decisão, sem a oitiva das partes, que não configurou violação ao princípio da não surpresa, eis que se tratou de mera retificação de erro material em sua parte dispositiva, pois no corpo da sentença já foram consignados os, I e XII do art. 10 da lei de regência, inexistindo prejuízo para os réus. Alegação de nulidade por indicação de diversos tipos para o mesmo fato pelo autor que também não se sustenta, pois a ação foi proposta em 2014, ainda sob a vigência da redação original da Lei 8.429/92, tendo a inicial sido devidamente recebida em decisão que restou preclusa, de modo que não há que se falar em afronta ao que estabelece o art. 17, § 10-D, do mencionado diploma legal, eis que ainda não estava em vigor à época. Preliminares rejeitadas. Reforma empreendida pela Lei 14.230/1921 na Lei 8.429/1992 que excluiu a modalidade culposa dos atos ímprobos, restando, dessa forma, patente a necessidade de se comprovar a ocorrência do dolo específico, para a tipificação das condutas. Investigações realizadas no bojo do Inquérito Civil 318/2010/CID/MCE (MPRJ 2010.00961585) que apuraram que o primeiro réu foi nomeado pelo segundo, então prefeito, para exercer o cargo em comissão de assessor intermediário em seu gabinete nos períodos de 1º de fevereiro de 2006 a 31 de dezembro de 2008, com nova nomeação em 1º de janeiro de 2009 e exoneração em 1º de janeiro de 2011, mas que aquele jamais teria cumprido as funções inerentes ao seu cargo, o que teria causado prejuízo aos cofres públicos. Depoimento prestado pelo primeiro demandado no âmbito do inquérito supracitado, no qual ele se contradiz, pois em um primeiro momento declara que «trabalhava no Gabinete do Prefeito Riverton Mussi», mas, em seguida, afirma que «trabalhava na Secretaria de Turismo», onde, segundo ele, assinava o livro de ponto, e «respondia ao Secretário de Turismo», acrescentando, contudo, que «não sabe o nome de nenhum dos secretários exerceu as funções enquanto o depoente prestou as funções". Informação prestada pela municipalidade no sentido de que «o referido servidor estava subordinado como assessor do Gabinete do Prefeito de 2006 a 2011», inexistindo registro de que prestasse seus serviços na Secretaria Municipal de Turismo, tal como afirma. Tentativas de obtenção das folhas de ponto supostamente assinadas pelo servidor que foram infrutíferas, pois tal documento não foi localizado pelo Município de Macaé, sendo certo que, instada a informar a carga horária do referido servidor, a Prefeitura declarou que «Não há subsídio para a informação específica". Ausência de pronunciamento do Juiz sentenciante sobre o trecho do depoimento em que o investigado relatou que registrava sua presença na mencionada secretaria que não altera em nada a conclusão de que não há dados oficiais sobre a sua frequência em nenhum dos órgãos municipais. Primeiro réu que, naquela oportunidade, afirmou que, durante um certo tempo «tinha uma quitinete no Catete», bairro situado na Capital Fluminense, e que além de exercer as funções inerentes ao seu cargo, «na época trabalhava no Rio de Janeiro dois ou três dias por semana», o que foi corroborado pelas informações prestadas pelas empresas Bogar Confecção de Roupas Ltda. na qual laborou de 08 de abril a 12 de maio de 2008, Civil Master Projetos e Construções, em que trabalhou de 07 a 23 de outubro daquele mesmo ano e Connect Serviços de Montagens Industriais Ltda. onde atuou como colaborador durante o período de 14 de novembro de 2008 a 12 de março de 2010. Logo, torna-se imperioso reconhecer a incompatibilidade de locais e horários, pelo menos em parte do período em que o servidor esteve nomeado, para que ele pudesse exercer as atividades de seu cargo público, juntamente com as dos empregos para os quais foi contratado, sendo pertinente acrescentar, ainda, que, em que pese este tenha declarado que «exercia uma função aqui em Macaé que tinha que trabalhar no Rio de Janeiro», deixou ele de especificar em que seu trabalho efetivamente consistia. No tocante às declarações de próprio punho apresentadas pelo primeiro apelante juntamente com sua defesa prévia, verifica-se que, além de não constar a qualificação das pessoas que as firmaram, se servidoras ou responsáveis por empresas contratadas pelo município, as informações nela contidas não se prestam a comprovar que aquele efetivamente exerceu as funções de seu cargo público, pois somente dão conta de que ele participou da organização de eventos esportivos e da comemoração do aniversário da cidade, atribuição essa que não é exclusiva de servidores. Testemunha ouvida em Juízo que em nada acrescentou para evidenciar a tese de defesa do primeiro réu, pois, indagada, não soube informar se os eventos esportivos em que encontrou com este, realizados na Serra de Macaé, haviam sido organizados pela Prefeitura ou por particulares. Sentença condenatória que não se baseou apenas no depoimento do primeiro réu prestado no bojo do inquérito civil, mas também em todas demais evidências acima mencionadas. Demandados que deixaram de comprovar a prestação dos serviços inerentes ao cargo para o qual o servidor foi nomeado e remunerado, descumprindo, assim, o ônus probatório que lhes cabia. Primeiro réu que enriqueceu ilicitamente, ao deixar de exercer suas funções, apesar do recebimento da respectiva remuneração, a qual foi incorporada ao seu patrimônio, o que configura a conduta prevista no art. 9º, XI, da Lei de Improbidade Administrativa. Ex-prefeito que nomeou o primeiro demandado como assessor em seu gabinete e estava plenamente ciente de que ele não comparecia para trabalhar, tampouco laborava à distância, mas percebia seu vencimento regulamente, o que facilitou o enriquecimento ilícito por parte daquele, causando prejuízo ao erário, caracterizando o ato ímprobo disposto no art. 10, I e XII da citada lei. Assim sendo, restou caracterizada, em ambos os casos, a vontade consciente dirigida a realizar as condutas previstas nos tipos administrativos sancionadores acima mencionados por parte dos agentes públicos, configurando o dolo específico necessário para se reconhecer a prática dos atos de improbidade, na forma pretendida na inicial, sendo certo que a tese de que haveria contradição entre os motivos adotados pelo Julgador de primeiro e a parte dispositiva da sentença apelada, deduzida pelo segundo demandado, não se sustenta, pois o Magistrado a quo fundamentou a decisão na presença daquele elemento, tendo, por mero equívoco, utilizado a expressão «culpa grave» em um dos parágrafos. Pretensão de aplicação do que estabelece a Lei 8.429/92, art. 18, § 3º que é incabível, eis que, repita-se, não houve a prestação de qualquer serviço pelo servidor, a ensejar a diminuição do quantum a ser ressarcido. Lei, art. 17-C, § 2º de Improbidade Administrativa que estabelece que «Na hipótese de litisconsórcio passivo, a condenação ocorrerá no limite da participação e dos benefícios diretos, vedada qualquer solidariedade". No caso em apreço, é possível identificar que os vencimentos foram destinados apenas ao primeiro réu, que deve ser o único responsável pelo respectivo ressarcimento, impondo-se o afastamento da solidariedade estabelecida na sentença. Precedentes do STJ. Decisum fez incidir, adequadamente, o que preveem os, I e II do art. 12 da lei em tela, no tocante à multa, fixando-a no valor equivalente ao acréscimo patrimonial por parte do primeiro apelante, que, na espécie, é igual ao prejuízo aos cofres públicos, não se vislumbrando qualquer desarrazoabilidade ou desproporcionalidade na penalidade imposta, que, portanto, merece ser mantida. Diga-se, ainda, que não se trata de ato de menor ofensividade, a atrair o disposto no § 5º do art. 12 da mesma lei, na forma pretendida pelo ex-prefeito, pois, ao atuar de tal forma, ele fez mal uso da verba pública em questão, a qual poderia ter sido direcionada a suprir as verdadeiras necessidades dos munícipes, não se podendo minimizar a gravidade de tal conduta, ainda que o valor do prejuízo não seja de grande monta. Logo, não há como se afastar a sanção de suspensão dos direitos políticos, pelo período de 08 (oito) anos, que lhe foi atribuída, sendo pertinente ressaltar que, em seu apelo, o segundo demandado não se insurgiu contra o prazo fixado, que está dentro dos parâmetros estipulados pela lei. Descabimento da majoração dos honorários, em grau recursal, tendo em vista que não houve a fixação de tal verba no ato judicial apelado. Julgado que comporta pequeno retoque. Desprovimento do primeiro recurso e parcial provimento do segundo, para o fim de excluir a solidariedade estabelecida na sentença, condenando-se apenas o primeiro réu a ressarcir o valor correspondente à integralidade da remuneração por ele recebida, mantendo-se o decisum em seus demais termos.
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